terça-feira, 5 de março de 2013

Hugo Chávez: tensionamentos e uma grande preocupação

Uso o título acima para deixar bem claro que parto de determinados preceitos do que entendo do que deveria ser um processo de mudança radical da sociedade para analisar o período de Hugo Chávez no poder venezuelano, encerrado hoje com sua morte, esperando que as mudanças promovidas não sejam interrompidas por conta disso.

Estou fazendo a experiência de acompanhar os comentários sobre este acontecimento mais pelo que as pessoas que sigo (Twitter) ou que são minhas "amigas" (Facebook) nas mídias sociais que através dos meios de comunicação tradicionais - a exceção foi o "Repórter Brasil", telejornal da TV Brasil

Creio que a maioria dos comentários foram positivos, destacando a importância de seu governo para a região, principalmente porque, quando assumiu (1999), o território latino-americano era deveras dominado pelo pensamento neoliberal. A tentativa de golpe, em 2002, é prova disso. Depois dele vieram os Kirchner, especialmente com a Cristina, Evo Morales, Rafael Correa, (e, vá lá) os governos do PT no Brasil e José Mujica no Uruguai. Além de Fernando Lugo no Paraguai, este deposto para comprovar que a democracia nos moldes burgueses sempre pode ser solapada para atender os interesses das elites locais e mundiais.

Sempre fui contrário à visão que os principais órgãos da imprensa brasileira tentaram impor a Chávez: ditador populista. Ele tentou uma insurreição em 1992, fracassou, ficou preso por 2 anos e venceu as eleições realizadas em 1998 com excelente votação. De lá para cá, mudou a constituição, é verdade, beneficiando-se da permissão de poder ir se reelegendo. Porém, todas as alterações foram a referendos ou plebiscitos populares. Uma delas, inclusive, foi negada por votação, sendo aprovada anos depois. Podem me falar o que quiserem, mas se ele apresenta as mudanças para apreciação da população, longe de as impor por decreto ou Medida Provisória - coisas muito utilizadas por essas bandas, por sinal. 

Além disso, estamos num país cuja democracia só é estimulada a cada 2 anos, em que qualquer movimento contestatório é visto como baderna. A estrutura de poder calcada em interesses regionais - alguns dos quais representando elites falidas -, interesses de grandes grupos empresariais, incluindo aí os de comunicação, e que normais, leis e regulamentos são descumpridos cotidianamente por quem ocupa cargos políticos no país - posse de meios de comunicação (Renan, Sarney e Collor) é só um exemplo.

Ia dizer que era inacreditável, mas está longe disso, o foco acaba sendo muito mais para críticas rasas a questões políticas ou individuais que a se analisar de forma crítica as mudanças na sociedade venezuelana nestes anos. Um avanço que poderia ser negado por meio eleitoral, mas que nunca foi. Cuba, com muito bons índices sociais, também tem sua evolução em áreas tais quais a médica e a educacional largadas ao acaso nas matérias ocidentais por conta de supostas limitações sociais impostas pelo governo.

Não, eu não defendo os modelos cubano e venezuelano enquanto proposta de uma outra forma de modo de produção. Porém, isso não deveria significar que devêssemos olhar para o Outro como irracional, quando a dita "sociedade cristã ocidental" tem muitos problemas. Ou será que realmente eles vão querer discutir sobre a liberdade de expressão que existe (sic) no Brasil?

PERSONALISMO
A minha grande discordância, que reflete também uma imensa preocupação para o que será da Venezuela a partir de agora, é a questão do personalismo. Primeiro, que mesmo em espaços políticos menores sempre vi com maus olhos a centralização de decisões, com destaque declarado para determinada pessoa. Entendo que se é algo para o bem coletivo, muito mais interessante é que este coletivo possa se fazer presente e conquistar os louros de uma possível vitória também de forma conjunta - afinal, os prejuízos já são divididos entre os setores sociais que se veem destinados a isso.

Chávez personifica o tal "socialismo bolivariano". Ao mesmo tempo que era a "cara a bater", e como fez isso ao longo desses anos se comparado aos que vieram depois na América Latina, também era o único a se mostrar enquanto uma suposta proposta de mudança do capitalismo na região. No caso venezuelano, por mais que Nicolás Maduro tenha se apresentado, inclusive por Chávez, como seu substituto, resta saber o quanto a popularidade do agora ex-presidente pode ser mantida com outro nome. Principalmente quando a tempestade da morte passar.

As mudanças em Cuba na passagem de Fidel para Raul mostram que esta preocupação deve existir. Até que ponto a proposta de governo radical, ainda que não nos termos que eu e outrxs amigxs defendem, era algo coletivizado de tal forma que não importa quem esteja ali como porta-voz. As mudanças realizadas na sociedade continuarão porque o projeto foi construído e decidido por se entender que aquela é a melhor opção para o maior número de pessoas.

Eu nunca fui à Venezuela, mas um amigo, cientista político, que foi me disse que a grande preocupação que tinha era sobre o que ocorreria após Chávez. Disseram-lhe que as pessoas estavam ali para defender a manutenção das mudanças destes mais de 10 anos. Porém, não lhe foi apresentado nada de concreto. Uma estratégia real para seguir. Mal comparando, os movimentos Occupy e até a Primavera Árabe mostram os problemas em não se ter o que defender em contraposição ao que se tem no mundo.

Mais do que nunca, o espaço está aberto para o crescimento das tais oposições, que voltaram a se unificar, e com peso razoável, nas últimas eleições venezuelanas. Além disso, quem é latino-americano não deve esquecer (JAMAIS) o que ocorreu por aqui a partir do golpe militar no Brasil, em 1964, com reflexos (Operação Condor que o diga) em outros países. Um dos momentos mais sombrios da nossa história teve como um dos protagonistas, não só um mero coadjuvante, os Estados Unidos. A presença na região, vide Colômbia e México - e as ressalvas brasileiras de um "enfrentamento" maior -, segue sendo articulada o tempo inteiro, ainda mais num país grande produtor de petróleo.

A REVOLUÇÃO NÃO SERÁ TELEVISIONADA
Apesar de uma vivência razoável em movimentos sociais, eu só vi o documentário A revolução não será televisionada no ano passado. Trata dos movimentos da tentativa de golpe em 2002, com forte apoio dos grupos midiáticos - colocando os principais estrangeiros nesta lista, até mesmo porque meios de esquerda/centro-esquerda eram ainda em menor quantidade naquela época.

Uma das matérias do telejornal da TV Brasil passou rapidamente pela questão da não renovação da concessão (e não cassação!!!) da RCTV em 2007. Resgataram uma imagem da emissora em 2002, com uma frase tranquilizadora que dizia, mais ou menos, que a Venezuela poderia ficar tranquila porque Chávez teria renunciado. Uma farsa sem tamanho, como provaria o futuro, com o contra-golpe popular e de militares.

O documentário (ver abaixo) mostra bem todos esses movimentos realizados com bastante presença dos principais grupos midiáticos do país de forma a construir uma história que mudasse o que as pessoas pensavam. Os defensores de Chávez eram apontados como assassinos frios, que não se preocupavam em nada com o povo. Manipulação pura.

No campo da Comunicação, tirando essa questão da RCTV e a ampliação dos canais estatais, com direito a programa com o presidente com durança de 4 horas, a Venezuela não representa um modelo a se espelhar como no caso da Ley de Medios da Argentina. Em 2000 foi aprovada uma Lei de Comunicação, porém, os grupos comunicacionais puderam fazer o que fizeram 2 anos depois.

Além disso, os estudos sobre conglomerados de comunicação da América Latina certamente citarão o Grupo Cisneros, que apesar de ter participado da farsa de 2002 segue atuando no país. Naquela velha comparação, seria o equivalente a Globo (Brasil) e Clarín (Argentina). Inclusive, tendo uma história parecida com o apoio do grupo Time-Life à sua formação na tentativa de montar uma rede latino-americana de televisão, o que, como a história comprova, não se efetivou.

A morte de Hugo Chávez marca, com certeza, uma mudança significativa na política da região. Só o tempo dirá para onde esta irá. Reafirmo que espero, sinceramente, apesar de várias discordâncias, o processo de evolução social não regrida. Mais do que o sujeito a fazer a piada sobre o enxofre deixado por Bush na ONU ou o que ouviu o "Porque no te callas?" do rei espanhol, Chávez representava alguém que defendia a mudança, com apoio popular, da situação de dominação/colonialismo que se apresenta nos países da América Latina.

2 comentários:

  1. Lembrei da Secom vendo o documentário. Qualquer mudança de poder é uma coisa delicada. Quando se pensa na mudança pela morte de um presidente tão marcante na história venezuelana e mundial isso causa muito pé atrás com o futuro.
    Quais serão as novas posturas políticas? O sucessor vai modificar? Os movimentos opositores vão tentar tomar o poder, pelo enfraquecimento natural que a morte de uma figura como ele traz?
    É muita coisa a levar em consideração.
    Pensando pelo lado esportivo, o Pastor Maldonado deve estar, além de triste, apreensivo sobre o apoio que ele recebe do petróleo venezuelano.
    Continuará o sucessor patrocinando o piloto? Como todas essas conjecturas, só o futuro dirá.
    E o Caracas, hein? Será que a goleada gremista foi um caso de dormência traumática dos venezuelanos pela morte de seu presidente?

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    1. O Maldonado postou no Twitter um lamento à morte do Chávez. Realmente, ele está na F1 graças à PDVSA. Além disso, o Chávez apoiava a "vinotinto", por ser um esporte mais popular que o beisebol, que é mais do gosto venezuelano. Vi muitos tuítes dele após vitórias da seleção - inclusive contra o Brasil. Alguns fizeram piadas (?) sobre o Caracas hoje. Acompanhei o jogo pelos tuítes alheios, mas o Grêmio jogou o que sabe e aí fica difícil para times de nível médio.

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