quarta-feira, 20 de março de 2013

60 anos sem Graciliano Ramos


60 anos, morria no Rio de Janeiro o escritor Graciliano Ramos. Para além de conterrâneo, ele me chama a atenção desde a adolescência pelo jeito característico de escrever, com outras qualidades pessoais, como a passagem rápida e marcante pela prefeitura de Palmeira dos Índios, cujos relatórios de gestão - algo difícil de existir mesmo com lei obrigando nos dias de hoje -, chamaram a atenção de escritores e editores da época.

Outra coisa, muito cara a mim é a sua consideração sobre a autonomia da esfera artística e estética diante dos imperativos ideológicos. É algo que estudei bastante numa pesquisa de iniciação científica, através da produção teórica de Lukács e de algumas produções literárias, caso das obras de Balzac. Questionei ao meu orientador se realmente numa outra forma social, se necessariamente teríamos uma melhor qualidade artística, já que isso representaria uma contradição à autonomia defendida.

Graciliano filiou-se ao PCB décadas depois de ser preso, ainda na ditadura do Estado Novo, e apesar de ser fiel ao "centralismo" do partido mesmo quando discordava das opções que vinham dos dirigentes, sempre deixou clara a sua autonomia enquanto escritor. Por conta disso, foi muito pressionado nos últimos anos de vida, especialmente por conta de Memórias do Cárcere, que trataria a experiência cruel de ser preso sem qualquer motivo aparente, trazendo as personagens de convívio como apareciam, com um ladrão podendo ter mais destaque que uma figura comunista histórica.

Sobre o "realismo socialista", ele se mostrava contrário, porque restringia a produção artística, algo desnecessário e prejudicial à arte, que era uma ordem vinda e praticada na União Soviética. Se deu bronca no próprio pai na época de prefeito, após passar por tantas situações ruins - o filho dirá que ele e outros dois irmãos ganhavam bem mais que o pai -, não recuaria numa ideia tão própria sobre a arte e, em meu ver, corretíssima. 

Ainda pretendo me organizar para realizar o diálogo entre o que estudei enquanto "estética marxista" com o exemplar brasileiro tão próprio quanto o de Graciliano Ramos. Há em sua obra a representação da situação social em sua volta, na particularidade da região de sua vivência, um Nordeste muito mais sertão que litoral. Mesmo com uma representação muito boa, seca até mesmo na forma de contar, há os espaços que comprovam a possibilidade de a arte transbordar as condições sociais dadas e mostrar as contradições do capitalismo. E isso antes mesmo de qualquer posicionamento político-ideológico que busque uma transformação social radical.

A minha ideia era tratar no dia 20 de março da biografia O Velho Graça, escrita pelo jornalista e pesquisador Dênis de Moraes, cuja edição da década de 1990 eu li recentemente. Ainda que fichado, não venho conseguindo me organizar  mentalmente para escrever, seja para artigos ou para este blog, então isso não foi possível. Ainda assim, o que era para ser uma simples postagem no Facebook, só para registro da data, virou este texto.

Por fim, para se ter uma ideia do que foi a vida de perseguições e problemas do criador de obras como Vidas Secas e São Bernardo, transcrevo trecho do epílogo que está na biografia supracitada. Quem quiser ler os meus outros textos sobre obras de Graciliano Ramos, acesse aqui.

“Três horas após a morte, uma voz anônima telefonaria para a Casa de Saúde São Victor.
- Por favor, pode informar se Graciliano Ramos faleceu?
- Sim, senhor.
- Meus pêsames. É do Departamento de Ordem Política e Social. Desejávamos saber se podíamos inutilizar a ficha dele.
Na lógica repugnante do DOPS, morto o homem, as ideias desapareceriam. Completa ingenuidade. O que pensariam, hoje, os espiões da vida alheia diante da sólida permanência de Graciliano no imaginário coletivo?” (307).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MORAES, Dênis de. O velho Graça: Uma Biografia de Graciliano Ramos. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993.

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