quarta-feira, 20 de março de 2013

O novo bate-papo para a transmissão do futebol

Por conta do atraso no início do novo formato da Copa do Brasil, que começará em abril, já foram transmitidas às quartas-feiras cinco partidas da Libertadores. No Rio Grande do Sul, as quatro partidas do Fluminense na competição foram exibidas, inclusive o confronto contra o Grêmio, no Rio de Janeiro. Na semana passada, Corinthians x Tijuana foi a partida mostrada. Um elemento comum atravessa estas partidas: a presença de torcedores famosos na transmissão, o que já gerou certo estranhamento quanto à proposta.

Para início de discussão, destaco a primeira delas, no jogo entre Caracas e Fluminense. Como convidados, o ex-jogador e agora comentarista da SporTV Roger Flores e o ator José Loreto, que há pouco fizera um personagem em Avenida Brasil e já partira para outro em Flor do Caribe.

Já se iniciou a transmissão assumindo-se que ela ocorreria a partir dos estúdios no Rio de Janeiro. Apenas o repórter Eric Faria tinha viajado para a Venezuela para acompanhar o jogo. Não que isso seja novidade, mas assumir a transmissão “por tubo”, como se costuma dizer, não é comum. Além disso, atrapalha em certos momentos do jogo em que não se tem imagens de lances duvidosos ou se pode demorar muito num replay e perder a jogada. Ainda mais, como é costume dos narradores da Globo reclamarem, a emissora brasileira só reexibe o que era produzido ao vivo pela TV local.

Comandando torcedores famosos

Luís Roberto foi uma espécie de apresentador, para além de narrador, já que teve que conduzir um programa com dois convidados, para além do comentarista Júnior e do ex-árbitro Arnaldo Cézar Coelho. Ao longo da transmissão, Roger, principalmente, e Loreto também eram chamados para falar algo sobre a partida. Provavelmente no intuito de fazer com que o torcedor participe, ainda que famoso, diretamente do jogo. A participação “interativa” do torcedor sempre foi um grande problema para a emissora, cuja direção já sinalizava pelo final da exibição de vídeos deste antes mesmo do que ocorreu na partida entre Botafogo e Palmeiras pela Copa Sul-Americana do ano passado, quando saiu o gol palmeirense enquanto aparecia um vídeo com um torcedor botafoguense cantando o hino do clube.

Esta nova tentativa dá à transmissão ares de papo de bar em alguns momentos. Destaco dois comentários realizados. O primeiro foi sobre a (falta de) qualidade do ator na prática de futevôlei, com a presença de Roger e Júnior nas praias cariocas. O segundo momento foi a piada do ex-jogador do Flamengo sobre a semelhança do ator com Valderrama, um dos maiores jogadores colombianos da história e dono de uma vasta e característica cabeleira.

A partida foi transmitida normalmente, mas o antes, o intervalo e o depois receberam um toque de programa de auditório – ainda que sem o público que marcou o “Central da Copa”. Víamos as reações do torcedor famoso em lances de perigo contra e a favor de seu clube, numa maneira de reproduzir a possível reação do torcedor “comum” em casa, ainda que minutos depois do ocorrido. O modelo foi repetido no jogo do Fluminense contra o Huachipato, no Peru. Nas partidas realizadas no Rio de Janeiro, a Globo possui um camarote no estádio João Havelange e ali o apresentador, e com experiências cada vez mais frequentes de narração, Alex Escobar comandava os famosos que foram ao estádio.

A “voz na consciência”

Em São Paulo, pelo que li sobre, já se teve as presenças de ex-jogadores como Raí (São Paulo) e Vampeta (Corinthians), além do piloto de automobilismo Rubens Barrichello, torcedor corintiano, e até mesmo do jogador Emerson, também do Corinthians. O convidado também vem sendo utilizado para o Campeonato Paulista, já que Cafu participou da transmissão de São Paulo 0X0 Palmeiras, clubes que atuou na década de 1990.

Na partida da quarta-feira passada, Corinthians e Tijuana se enfrentaram num Pacaembu que tinha a presença de Cleber Machado e Walter Casagrande. No estúdio, estavam o comentarista Caio, a cantora Negra Li e os integrantes da banda Tihuanna, cujo nome era parecido com o adversário corintiano naquele dia e que possui apenas um de seus membros como torcedor do atual campeão mundial.

Além de não ter camarote no velho Pacaembu, o comando do diálogo com os convidados ficou a cargo de Thiago Leifert e sua maneira característica de apresentação, já num processo de desgaste, que gera até mesmo alguns segundos de silêncio para que ele possa ouvir a “voz na consciência”. Ainda na semana passada, Rodrigo Jovanelli, no Yahoo! (ver aqui), destacou a aposta da Globo no entretenimento nas transmissões de futebol. Jovanelli criticou a presença cada vez maior de convidados em detrimento à participação jornalística, relegada ao(s) repórter(es) de campo.

Um negócio, uma paixão

O jornalista afirma ainda que para a emissora “análise técnica e tática nas partidas é coisa só de quem esteve no campo”. Estive num evento com a presença do então diretor da Central Globo de Esportes, Luiz Fernando Lima, e ele realmente confirmou esta premissa, em que há questões de dentro de campo, como lesões ou movimentação, que só quem esteve lá pode contar ao telespectador.

Para Jovanelli, a narração da partida fica mais superficial, tendo como resultado a migração do telespectador para os canais de TV fechada, numa busca por uma “boa análise de futebol”, fugindo do que ele poderia ouvir “numa conversa de bar” com os amigos.

De fato, a Globo caminha nos últimos anos para uma preocupação maior com o entretenimento do que com o jornalismo na produção esportiva (ver, neste Observatório, “O noticiário esportivo é ‘100% entretenimento’”?). A criação da Central Globo de Esporte, vinculada à Direção Geral de Jornalismo e Esporte, em 2009, é um indicativo disso. Com as audiências das partidas de futebol em queda, ainda que com grandes resultados com o Corinthians na telinha na Libertadores de 2012, a busca por novos formatos, mais flexíveis, partiram para os momentos em que a bola não está rolando: antes, no intervalo e depois das partidas. É a ampliação do programa Futebol 2013.

Quanto à preparação dos jornalistas para o esporte, discordo que necessariamente um jornalista esportivo possa comentar melhor a partida, de olho mais na tática distribuída em campo, que um ex-jogador. Até mesmo porque em todas as profissões há bons e maus profissionais, como comprova as várias polêmicas que são criadas no cotidiano da produção noticiosa esportiva só para ganhar mais audiência ou para se ter uma pauta no programa seguinte. Da mesma forma que há muitos ex-jogadores que comentam mal – alguns são logo escanteados pelas emissoras – ou que acabam se restringindo a determinado nicho, caso do sotaque excessivamente paulista do Neto na Band.

Por mais que nós, torcedores, não queiramos acreditar, o futebol é cada vez mais um negócio que se utiliza de uma paixão que nos entretém. Ou, como afirma a própria emissora citada numa campanha publicitária, “Esporte na Globo é: diversão, informação e paixão”. Cabe aos torcedores-telespectadores tentarem buscar alternativas, ao menos nos torneios em que isso seja possível. Afinal, só podemos ver Libertadores na TV aberta pela Rede Globo.
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[Texto originalmente publicado no Observatório da Imprensa.]

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