quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"O mundo secreto da FIFA" pelo inimigo número 1 de Blatter e cia.

Geralmente os meus textos sobre livros que li trazem uma simples foto da obra, em que eu tento achar na internet a capa da edição que eu tive acesso. A exceção para ilustrar Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA -  compra de votos e escândalo de ingressos é porque merece. A edição brasileira traz a frase "O livro que a FIFA tentou proibir", o que já seria uma grande justificativa para criar a curiosidade daquel@s que, da mesma forma que eu, também gosta de ver o futebol para além das quatro linhas.

Outro motivo de sobra para despertar a curiosidade sobre o livro é que o autor é um dos pouquíssimos, senão o único, jornalista no mundo proibido de participar de qualquer evento da FIFA, e isso desde 2003!

O experiente jornalista britânico Andrew Jennings esteve no Brasil ano passado, com direito a participação na Comissão de Esporte e Turismo da Câmara Federal e "aula" de como deveriam atuar os nossos congressistas em relação às obras da Copa do Mundo FIFA e a Ricardo Teixeira em particular - como se adiantasse...

Jennings trabalha há algumas décadas como jornalista investigativo, algo cada dia mais raro na terra brasilis, dedicando algum tempo para investigar o ex-todo poderoso do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Antonio Samaranchi - um franquista alçado a um importante cargo graças a Horst Darssler, herdeiro da Adidas. O cúmulo dos casos de corrupção ligado ao COI foi a decisão para que Salt Lake City, nos Estados Unidos, torna-se sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002, com muito pedido de propina.

Após isso, foi sugerido para que ele investigasse, a partir do final da década de 1990, o futebol, a paixão maior dentre as atividades esportivas e de lazer do mundo. Jennings descobriu vários problemas e disfunções éticas na atuação dos principais dirigentes da FIFA, incluindo João Havelange, Ricardo Texeira, Julio Grondona (AFA), Jack Warner (Concacaf), Mohamed Bin Hamman (Catar), Jérôme Valcke e tantos outros... Só que o destaque é o atual presidente, que sempre se utilizou da palavra "transparência" sem jamais praticá-la: Joseph S. Blatter.

Muito Jogo Sujo
Geralmente com filmes e livros quando eu chego com muita expectativa, saio um pouco frustrado, mas Jogo sujo é um primor tanto na qualidade do texto, com um sarcasmo excepcional em algumas partes - seja no contar quanto no agir profissional para conseguir as informações, geralmente negadas - e o profundo conhecimento, histórico e baseado em documentos e fontes privilegiadas, sobre o assunto. Em nenhum momento pode-se dizer que houve um deslize ético do jornalista ou que ele possa ter mentido.

Um caso curioso é o que se dá durante a escrita do livro, que viria a ser entregue à editora no final de 2006. Primeiro, um relações públicas da FIFA tenta ficar amigo de Jennings, mas não esperava que o jornalista fosse fazer algumas perguntas sobre a sua trajetória, aparentemente antiética, com informações  de profissionais e demais pessoas. Peter Hargitay esquece a camaradagem do início e chega a fazer uma ameaça velada de espionagem - o que faz o autor desconfiar e descobrir que seus telefones estavam grampeados...

Depois, ameaças de entrar na Justiça contra autor, editor e distribuidoras caso o livro seja publicado, com direito a pedido para ver a obra antes de ela ir para gráfica, a famosa possibilidade de censura. A curiosidade relatada é que todas as ameaças neste sentido nunca se concretizaram com ações judiciais. Por que será? Num momento, quando o autor publicava matérias sobre corrupção na FIFA, ainda pelo Daily Mail, os advogados da entidade chegaram a exigir uma retratação financeira mesmo sem qualquer ação judicial...

O livro saiu, não só lá no Reino Unido, ou na Suíça, como em todo o mundo, caso da edição brasileira que adquiri, ironicamente, em Brasília - imaginam um "Jogo Sujo: o mundo secreto do Congresso Nacional"? Fiz várias anotações para rever e registrar com maior interesse posteriormente, então o intuito do presente texto não é tanto adentrar em citações do livro, mas apresentá-lo de uma forma mais geral que o normal, gerar ainda mais curiosidade.

Dentre as coisas possíveis, de memória, a relatar, estão as eleições de João Havelange e de Joseph S. Blatter. É incrível como Havelange consegue destronar o britânico Stanley Rous com uma campanha nunca antes vista na FIFA, com o apoio direto do dono da Adidas, Horst Dassler. A principal promessa era abrir mais vagas para os continentes africanos e asiáticos. Além disso, justiça seja feita, para o bem e para o mal o ex-nadador e ex-presidente da CBF foi importante para a segunda fase de expansão do futebol, contando com imenso apoio da empresa de Dassler e da Coca-Cola, com projetos de difusão e prática do esporte nos países - por mais que com casos "escusos".

Blatter assume, do "nada", a secretaria-geral da FIFA na década de 1980, durante a reformulação feita pelo seu então chefe. Ele dá com os "burros n'água" numa tentativa de romper com o domínio de Havelange nas eleições de 1994, mas, surpreendentemente, salva-se do episódio e é o candidato da "situação" em 1998, numa grande disputa contra o então presidente da UEFA, Lennart Johansson, que prometia apagar a corrupção da entidade.

Jennings conta como Blatter consegue magistralmente, com ajuda de escudeiros como Blazer e Bin Hamman,  com direito a apoio do filho do ex-ditador líbio Muammar Khadafi, que era presidente da associação de futebol local e tudo o mais. A unida Europa se divide. A Inglaterra vota em Blatter sob a promessa de sediar a Copa do Mundo de 2006.

As eleições futuras também utilizam de argumentos como compra de votos e promessas realizadas sob a marca de utilização dos recursos da entidade para a campanha pessoal de um dos candidatos. Num estranho esquema de compensação financeira que com o tempo vai degradando as contas da entidade, auxiliada pelo repasse "cego" de recursos para os membros do Comitê Executivo.

Outro ponto interessante é a escolha das sedes da Copa do Mundo FIFA. Recentemente vimos o rebuliço causado pelas escolhas de Rússia e Catar (com uma temperatura altíssima) enquanto sedes dos mundiais de 2018 e 2022, em detrimento da Inglaterra, que este ano terá em Londres os Jogos Olímpicos e que, dentre outras coisas, acusou Ricardo Teixeira de pedir propina - o que não está no livro porque não deu tempo...

2002 foi dividido entre Coreia do Sul e Japão porque após alimentar os dois países rivais, teve-se que ceder para evitar uma nova guerra, mesmo que em detrimento de muito dinheiro que poderia se ganhar num só país. 2006 foi prometido para a África nas eleições, com direito a suposto voto de Blatter nela, mas no final das contas, por 13 votos a 12, deu Alemanha - porque um dos membros do Comitê Executivo faltou e evitou que o presidente se desentendesse com um dos dois países.

Como consolo, 2010 seria na África, movimentando até países, como a Líbia, que mal tinham campo de futebol. No final, apesar de campanhas milionárias, como no caso da Tunísia e do Marrocos, prevaleceu a África do Sul e todo o tipo de aproveitamento da imagem de pessoas como Desmond Tutu e Nelson Mandela.

Por fim, mas não menos importante, vemos o trajeto da empresa de marketing esportivo ISL, que naufraga após a morte de Horst Dassler, seu criador, em meio a escolhas erradas (aquisições da C.A.R.T./Fórmula Mundial e dos eventos da ATP/tênis), muito gasto com propinas para membros de Comitês Executivos, seja no COI ou na FIFA, e apesar de muito apoio da FIFA. Para se ter uma ideia, a Rede Globo aparece na história após pagar 60 milhões de dólares em 1998 pelos  direitos de transmissão das Copas do Mundo e a parte da entidade, 22 milhões, nunca sendo paga pela ISL, que só veio a ser cobrada quando estava prestes a falir, em 2001.

Jennings conta primorosamente o desespero do diretor Jean-Marie Webber em meio ao naufrágio de uma empresa que trabalhava com bilhões de dólares nas mãos e com eventos bastante lucrativos. Em meio à crise do fim da parceria com o COI, a renovação do contrato com a FIFA se dá de uma forma totalmente desproporcional, batendo a até então fortíssima empresa estadunidense do setor de imagens, a IMG.

Nesta trilha, nomes importantes, alguns bem mais conhecidos que outros, vão e vem no livro, deixando qualquer leitor estarrecido com a capacidade de atos tão vis tendo como principal objeto uma das principais paixões mundiais: o futebol. Em Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA, Andrew Jennings nos prova por que o esporte deve ser levado a sério.

REFERÊNCIAS
JENNINGS, Andrew. Jogo Sujo: o mundo secreto da FIFA: compra de votos e escândalo de ingressos. Trad. de Renato Marques de Oliveira. São Paulo: Panda Books, 2001. Título original: Foul! 

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