quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Alguém pode me explicar?

Desde que começou a greve da Polícia Militar na Bahia estou vendo cada vez mais tuítes, postagens em redes sociais, matérias ou textos opinativos em sites e na televisão. A ampla maioria delas, vindas do P.I.G. ("Partido da Imprensa Golpista") ou de pessoas de esquerda - ao menos se admitem como tal - criticando a paralisação das atividades desses servidores estaduais e as atitudes tomadas pelo movimento.

Confesso que desde o momento que acompanho movimentos sociais, participando diretamente deles ou não, é a primeira vez que vi um caso assim, com uma curiosa, mais ou menos justificada, união em termos dialógicos entre quem odeia qualquer tipo de manifestação e greve e aqueles que defendem um Brasil mais livre, mais justo e mais igualitário.

Não estou focado em ler tudo o que sai sobre o assunto, mas algumas coisas me surpreendem pela aparente mudança de paradigma que este caso traz. Cheguei, definitivamente, a esta conclusão depois da reportagem com cerca de 4 minutos vinculada no Jornal Nacional de ontem, em que foram difundidos áudios conseguidos pela Justiça com integrantes do movimento grevista da Bahia e da associação do Rio de Janeiro. Para quem acompanha o Twitter, como eu fazia naquele momento, basta lembrar que a hashtag #desocupaPrisco esteve um bom tempo nos Trending Toppics.

A primeira coisa que me veio à cabeça na hora, após ter visto os vídeos no G1, afinal vejo bem pouco tal jornal, é que não vi um tuíte reclamando da "mídia golpista", como é rotineiro em casos assim - vide #Pinheirinho, este com toda a razão. Ninguém para lembrar quais os interesses de classe da Rede Globo em seu principal telejornal, que eles queriam criminalizar o movimento - como sempre fazem - ou, quem sabe, para dizer o que poderia ser o óbvio: a Globo mostra porque é contra qualquer tipo de manifestação social, "apesar de nesse caso ter um pouco de razão", poderiam até dizer.

Nada disso! Simplesmente todos acataram que ali havia justificativa suficiente para que os PMs desocupassem a Assembleia Legislativa da Bahia e que o seu líder, Marco Prisco, fosse preso, acusado, dentre outras coisas, por "formação de quadrilha" e incitação à violência. Pelo que li, em sites do PIG, a quantidade de homicídios dobrou no período da greve e alguns grevistas teriam "tocado o terror" na cidade, armados e encapuzados.

Hoje fiz questão de acompanhar as matérias do Jornal Hoje sobre o assunto, já que desocuparam a ALE e Prisco e outros do movimento foram presos. Se não me engano, a reportagem entrevistou David Salomão, com quem o líder do movimento conversava no primeiro áudio do JN. Ele disse que estavam num momento extremo, com o Exército e a Força Nacional ameaçando desocupar o prédio à força e que havia famílias dos policiais ali dentro.

Curiosamente, a seguir é mostrada uma reportagem com o experiente José Raimundo "conferindo" como ficou a Assembleia após a saída dos manifestantes. Ele praticamente não teve o que mostrar para além de um vidro de uma porta quebrado e comida que havia estragado... Fora isso, os demais danos foram causados pelo Exército/Força Nacional: portas arrombadas e o forro, que teve que ser tirado, pois imaginavam que havia uma bomba.

Quem já viveu e/ou acompanhou uma ocupação sabe bem o que é essa história de depredação de patrimônio público, que quase nunca ocorre mas sempre dão um jeito de encontrar uma coisinha para culpar os manifestantes. Mas dessa matéria e dessa atitude da reportagem da Globo ninguém tratou também...

A HISTÓRIA
O governo da Bahia é comandado pelo petista Jacques Wagner há pouco mais de cinco anos, destronando o carlismo, que reinava no Estado há décadas. Dentre os aspectos positivos, lembro da formulação e posse do primeiro Conselho Estadual de Comunicação do país - com alguns problemas, como já contei por aqui.

Além disso, os policiais e bombeiros militares estão na luta pela criação de um piso único da categoria, através da chamada PEC 300, que está há um bom tempo no Congresso Nacional, com apoio, inclusive, de pessoas como o senador alagoano Renan Calheiros (PMDB). Espera-se com ela que os militares de todo o país recebam, no mínimo, o valor que é pago aos do Distrito Federal, mais de 4 mil reais. 

Por isso que este é um movimento que se reflete em outros Estados da Federação, com a possibilidade de greve agora por conta da maior pressão devido aos festejos do carnaval. Hoje mesmo ocorreriam assembleias da categoria em Alagoas (que é governada pelo PSDB) e no Rio de Janeiro (governado pelo PMDB).

Para ser justo, só vi um texto tratando desse assunto e do problema que é a administração da segurança no Brasil. A reportagem é da Carta Capital, escrita por Matheus Pichonelli, que entrevistou um sociólogo e um especialista em Segurança Pública para entender esta "crise".

Todos os outros lugares e pessoas de "esquerda", ligados ou não diretamente ou partidariamente ao PT, destacando o que parece ser um fato: após passar por PCdoB e PSOL, Prisco é membro do PSDB. Greve comandada por PSDB contra um governo do PT, que chama forças para desocupar prédio público é de acabar com qualquer racionalidade política...

Mas também é fato que as centrais sindicais estão de tal forma fragmentadas que a tendência atual é que cada partido possua uma delas como sua base, da CUT, passando pela Força Sindical, CGT e até a CSP-Conlutas.

O que eu queria entender...
Independente de qualquer coisa, o que eu queria entender é como alguns "militantes" chegam ao ponto de tuitarem e retuitarem coisas como "Ta mais que na cara q essa greve tem caráter político... o governo da BA tem que baixar o cacete nestes pulhas!!!". Qual a greve não tem caráter político? Qual atitude humana não traz em si escolhas e a formação sociopolítica?

Além disso, ali, dentre líderes do PSDB ou não, há servidores em busca do legítimo direito de correção salarial, assim como, familiares e outros tipos de militantes sociais que se somaram para auxiliar o movimento para uma futura conquista. E "baixar o cacete", nessas condições, é típico discurso de quem? Ou todos esqueceram numa semana, pois o governo é "nosso", o que ocorreu no Pinheirinho, no Piauí - protestos contra aumento da passagem - e em tantos outros lugares?

Pelo que entendi, houve uma proposta para todas as categorias em que o aumento seria de 6%, podendo chegar a 34%. Há quem diga que isso é o suficiente, mas não sei realmente se é "só" isso que eles querem, qual a pauta de reivindicações, se não é também pressionar a votação da PEC 300, por exemplo.

Sobre a justificativa de a segurança pública ser um serviço inalienável à população, de fato, uma greve acaba por prejudicar as pessoas, mas acaba sendo o instrumento necessário para pressionar o poder público. Não estou aqui defendendo violência praticada por ninguém, até mesmo porque acho que isso é tudo que quem odeia trabalhadores precisa para se incendiar em críticas vejanescas. Mas greves de carteiros, professores e na saúde também acabam por prejudicar a população, mas é um direito dos trabalhadores.

MANIQUEÍSMO
Em suma, o que eu questiono é esse maniqueísmo que ganhou a política brasileira, quer dizer, os setores de esquerda e centro-esquerda do país, após a eleição do Lula: quem é a favor do governo é progressista, quem não é passa a ser golpista. Como se na própria esquerda não houvesse diferenças significativas.

Afinal, quem é obrigado a "aceitar" um governo de coalizão de classes, a ponto de ter Michel Temer como vice-presidente e apresentar como apoiadores da campanha figuras até então non gratas como o presidente do Senado José Sarney - defendido pela base do governo quando da crise dos funcionários-fantasmas no Senado e no caso de utilização de recursos públicos para a sua fundação/instituto no Maranhão - e o ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello?

Ou eu sou obrigado a apoiar os Governos que mesmo recebendo vários ataques dos principais meios de comunicação do país, opta por responder às denúncias no principal telejornal da emissora líder, como o fez Antônio Palocci? Por que não na TV Brasil, que poucas pessoas conhecem e, pelo jeito, até os principais nomes do Governo? Que, além disso, deu a esperança de um marco regulatório para a comunicação, mas "esqueceu" ao ter no Minicom, pela primeira vez, um membro do PT...

Para essas pessoas só faz parte da esquerda no Brasil quem apoia o PT. Todo o resto é neoliberal, de direita ou algum "maluco" que ainda acredita na "utopia" de uma verdadeira transformação radical da sociedade...

Só peço que me expliquem uma coisa: como é que se pode utilizar os mesmos argumentos de quem é assumidamente de direita quando o alvo é você próprio? Eu só queria entender isso. Não falo de apoiar toda e qualquer manifestação de trabalhadores - ainda mais que eu falei sobre a "nova lógica sindical" acima -, mas um pouco de coerência, explicando o ponto político-ideológico de que partem as críticas já estaria de ótimo tamanho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário