quinta-feira, 12 de junho de 2014

México restringe exclusividade em eventos esportivos

No dia 30 de maio, o Instituto Federal de Telecomunicaciones (IFT) do México anunciou uma lista com os “conteúdos audiovisuais relevantes sobre os quais os agentes econômicos preponderantes nos setores de radiodifusão e telecomunicações não poderão contratar direitos de transmissão de maneira exclusiva”. O destaque vai para as cerimônias de abertura e encerramento das Olimpíadas, as partidas de futebol da seleção mexicana, algumas partidas da Copa do Mundo Fifa e a final do campeonato mexicano.

A decisão foi tomada após uma análise que durou quatro anos, num universo de mais de 220 mil conteúdos audiovisuais transmitidos em TV aberta e fechada, tendo como alcance os que fossem de caráter não replicável (com importância no evento ao vivo) e seu esperado alto índice de audiência, com base nos dados da Nielsen Ibope México.

O comunicado da IFT vai ao encontro da reforma de telecomunicações aprovada no ano passado, que busca fomentar a concorrência entre os agentes do setor audiovisual e acabar com as exclusividades. Segundo a IFT, “a determinação destes conteúdos é de grande relevância devido a que, ao serem adquiridos pelos Agentes Econômicos Preponderantes, permitem que estes fortaleçam as audiências e limitem que outros participantes possam competir no mercado de maneira efetiva”.

Fica a dúvida sobre a validade a partir da exibição da Copa do Mundo Fifa 2014, adquirida pela Televisa, que repassaria alguns jogos para a TV Azteca. Os grupos de comunicação teriam 10 dias para entregar os contratos em andamento à IFT, para que seja indicado um direcionamento. De acordo com a resolução, foi determinado que o incumbente deve oferecer a qualquer candidato o produto adquirido nas mesmas condições e custos que são oferecidos às suas subsidiárias e empresas coligadas.

Negociação de direitos

O México tem dois agentes econômicos reconhecidos internacionalmente na produção de conteúdo audiovisual: a Televisa, de propriedade do empresário Emilio Azcárraga, reconhecida no Brasil pelas telenovelas exibidas pelo SBT e exportadas para todo o mundo, além de possuir também o único canal mexicano que se dedica 24h ao futebol, a Sky na TV fechada; o outro agente é Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo – duelando algumas vezes com Bill Gates –, atuante nas telecomunicações, com destaque para a Telmex, mas também é proprietário do Grupo Carso, que é sócio comercial da Fox Sports México, na TV fechada, e dono de direitos televisivos para plataformas móveis através do América Móvil.

A Televisiva exerce o controle do futebol profissional no país há 60 anos, poderio estendido aos Jogos Olímpicos e às Copas do Mundo Fifa realizadas no país, em 1970 e 1986, com organização por parte da emissora do mundial em que Maradona fez o gol com “la mano de Diós”. No caso do mundial de futebol, daí a decisão se restringir a abertura, quartas de final, semifinais e final, além dos jogos do México, as demais partidas costumam ser mostradas no canal Sky, restringindo o acesso do público mexicano.

A América Móvil teria adquirido por 110 milhões de dólares os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Inverno realizados este ano, em Socchi, Rússia, e dos Jogos de Verão do Rio de Janeiro, em 2016, os quais teria repassado para a Fox Sports na TV fechada.

O caso do Campeonato Mexicano, desde a temporada 2012/2013 organizado pelos clubes na Liga MX, os direitos de transmissão são negociados separadamente. Até a temporada 2013/2014, nove clubes estavam com a Televisa, 7 com a Azteca (ambas lideram a TV aberta, com destaque para as telenovelas), 1 com a Sky e 1 com a Fox Sports. Esta recebeu de Slim os direitos para transmitir os jogos do León, clube que pertence ao empresário mexicano em sociedade com o ex-jogador Jesús Martínez – e que foi do grupo do Flamengo na Libertadores deste ano.

Barreiras políticas

A maneira de negociação pode ser apontada como uma das piores, tanto para os clubes quanto para as TVs. Por mais que amplie o leque de emissoras, pode haver grande diferença entre o que os clubes recebem. Não à toa, o “duopólio” mexicano divide os quatro grandes do país. Times com maior torcida, América, Chivas e Pumas estão com a Televisa; e o Cruz Azul na TV Azteca. Outro problema é que os direitos de transmissão negociados são da partida do mandante. Assim, sem negociação, só uma emissora pode transmitir a partida. Este problema foi vivenciado na final do Apertura 2013, quando o León enfrentou o América. Com direitos cedidos ao Fox Sports, inclusive uma possível final, o León não cedeu a nenhuma emissora aberta os direitos de transmissão do primeiro jogo da decisão. Como neste ponto os direitos estão divididos, não há nenhuma indicação de que algo assim possa mudar a partir do comunicado da IFT.

O processo de enfrentar líderes de tamanho porte para fortalecer a concorrência lembra o caso da Argentina, em que a Ley de Medios (2010) garantiu o acesso universal, através dos serviços de comunicação audiovisual, dentre outros, “aos acontecimentos desportivos, de encontros futebolísticos ou outro gênero ou especialidade”. No caso argentino, a definição dos eventos desportivos na lei foi para evitar que se tivesse que pagar para ver a transmissão de jogos de futebol, forma de entretenimento de bastante relevância. Algo que ocorreu quando os direitos do campeonato local eram da TyC (Grupo Clarín).

Ainda assim, a Ley de Medios não proíbe o exercício de direitos exclusivos de emissão, desde que este seja justo, razoável e não discriminatório, de forma que o direito ao acesso universal gratuito seja garantido e que não se afete a estabilidade financeira e a independência dos clubes. Por mais que sejam semelhantes, o segundo caso tem forte conotação política, com a guerra declarada entre o governo de Cristina Kirchner e o Grupo Clarín, que gerou a benesse da modificação legal da estrutura concentrada no mercado comunicacional como um todo, tendo forte participação e pressão dos movimentos sociais organizados do país na formulação da nova lei. No caso mexicano, há um interesse voltado a descentralizar o controle sobre produtos específicos, num mercado com cada vez mais canais esportivos.

No Brasil, em que a radiodifusão segue regulamentada pelo Código Brasileiro de Telecomunicações aprovado lá em 1962, só a Lei do Audiovisual (2011), que regula o Serviço de Acesso Condicionado (TV fechada), traz algo neste sentido. Nesta há a proibição das prestadoras de serviços de telecomunicações de adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração de imagens de eventos de interesse nacional, dentre os quais está a transmissão de eventos esportivos.

Em meio a um mercado cujas disputas são cada vez mais transnacionalizadas e com os valores de direitos de transmissão de grandes eventos esportivos só aumentando por conta desta disputa, a presença do Estado como regulador econômico no capitalismo é percebida. Não à toa, algumas divergências vão parar em tribunais pró-concorrência, gerando novas normas sobre a venda e a aquisição destes direitos. Porém, são as barreiras políticas instituídas pelos grupos midiáticos em certos países que determinam o andamento ou não de regulamentações sobre um produto de alto valor como os eventos esportivos.

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Texto publicado na edição 802 do Observatório da Imprensa.

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