sexta-feira, 23 de agosto de 2013

E se em 1934...

Um evento esportivo para mostrar a superioridade de uma "raça" ou país. Eis uma frase que ainda se repetiria algumas vezes e com os mais variados motivos, mas que deixou na memória histórica mundial demonstrações de que o melhor para todo o mundo sempre seria respeitar o Outro e não preocupar-se em dominá-lo, apesar de até hoje essa lição não ser colocada em prática.

A Copa do Mundo de 1934 talvez tenha sido a primeira tentativa disso. Sob o regime fascista de Benito Mussolini a ideia era que a Itália mostrasse seu poderio em todos os campos, inclusive no futebol. Além de montar um grande time, com direito a cinco estrangeiros, outras coisas de bastidores ocorreram de maneira muito estranha.

Primeiro, o cartaz inicial (ao lado), que fazia referência à saudação feita a Mussolini e teve que ser modificado por ordens da Fifa, que temia uma reação dos demais países. 
Além disso, a desistência da Suécia na disputa para ser sede do segundo Mundial de futebol. A Argentina, vice-campeã da edição anterior, optou por não ir à Copa por não ter sido escolhida como sede.

27 equipes tentaram uma vaga através das eliminatórias, o que mostrou a força do evento. Porém, o atual campeão Uruguai resolveu não disputar a Copa para se vingar dos europeus, que não foram, em sua maioria, à edição anterior. Foi a única vez que um campeão não defendeu seu título. Já o continente africano estreou com a presença do Egito.

O Brasil mais uma vez sofreu, ainda sob embate de profissionais e amadores. Enquanto o amadorismo seguia como opção da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), Rio e São Paulo já haviam aceitado a profissionalização e criado a Federação Brasileira de Futebol - Vargas também tinha colocado no bolo das leis trabalhistas o reconhecimento do jogador profisisonal. Os defensores do profissionalismo da FBF chegaram a isolar jogadores para não serem chamados para Copa que, do Estado, só contou com atletas do São Paulo da Floresta.

Como resultado disso tivemos o pior resultado na história das Copas: um jogo, uma derrota. E o estranho fato de ter um técnico que não poderia exercer seu papel em campo porque também era árbitro do torneio.

>> E se em 1934...

Com dezesseis seleções escolhidas, a Fifa mudou o regulamento do Mundial e todo jogo era decisivo, num sistema de mata-mata: oitavas-de-final, quartas-de-final, semifinais e final. Em todas as partidas estava na arquibancada "Il Duci" (o comandante), com o mito ao longo do tempo sugerindo, inclusive, que ele distribuía sósias para garantir sua "omnipresença".

O Brasil enfrentou a Espanha nas oitavas-de-final. Com gols de Irragori (pênalti) e dois de Lángara, o selecionado espanhol nos venceu por 3 a 1. O único gol brasileiro foi marcado por Leônidas da Silva. O "Diamante Negro" viria a se destacar quatro anos depois e é reconhecido como "inventor" da jogada de bicicleta.

Outros destaques daquela delegação foram o goleiro Roberto Gomes Pedrosa, que se tornaria presidente da Federação Paulista de Futebol e daria o nome a um torneio nacional pré-Brasileirão; e o atacante Waldemar de Brito, o responsável por levar Pelé ao Santos.

Brasil à parte, a seleção italiana teria que vencer a Copa do Mundo, ninguém sabia o que poderia ocorrer caso viesse um resultado negativo. Os especialistas dizem que era o melhor time de 1934, com destaque para o atacante Giuseppe Meazza, que fez 38 gols em 53 jogos com a camisa da seleção e se tornou um dos maiores ídolos da Internazionale de Milão, sendo agraciado com o nome no estádio em que o time joga (San Siro para os milanistas).

Além dele, a Itália convocou cinco descendentes de italianos que nasceram, e alguns até jogaram, em outros países. Foram eles: o brasileiro Filó, jogador do Corinthians; e os argentinos Guatia, DeMaria, Orsi e Monti, este último que jogara o mundial quatro anos antes.

Nas oitavas-de-final uma vitória fácil sobre os Estados Unidos por 7 a 1 garantiu a classificação para enfrentar os algozes do Brasil.

Num jogo duro pelas quartas-de-final, o goleiro espanhol Zamora - consagrado como um dos maiores do mundo - defendeu muito. O placar acabou no um a um, com a Espanha fazendo o primeiro, através de Reueiro, e os donos da casa empatando ainda no primeiro tempo, com Ferrari. Como o empate prosseguiu na prorrogação e não existia disputa de pênaltis, a partida iria para um jogo extra no dia seguinte.

Sem Zamora, que saiu machucado da partida anterior, a Itália conseguiu a classificação nas semifinais com um gol de Meazza aos 11 minutos da partida desempate. Tanto o árbitro belga da primeira partida, Luís Baet, quanto o árbitro suíço da segunda, René Mercet, seriam expulsos dos seus respectivos países por supostamente facilitarem a vida da turma de Mussolini.

A semifinal foi contra o "Wunderteam" (time-maravilha) dos especialistas, a Áustria, que até hoje guarda o recorde de ver seu goleiro defender dois pênaltis em Copas durante o tempo normal das partidas. Num San Siro com aproximadamente 60 mil pessoas, Guaita marcou aos 19 minutos do primeiro tempo o gol da vitória.

Na final, a Squadra Azzurra enfrentaria a Checoslováquia, que passara pela Alemanha (nazista) nas semifinais por 3 a 1. Uma final entre as seleções de países comandados por Hitler e Mussolini poderia ser uma representação histórica e cruel daquele tempo.

Mais uma vez com a arbitragem do sueco Ivan Eklind, a partida foi emocionante para a torcida da casa. O jogo foi no Stadio Nazional PNF (iniciais de Partido Nacional Fascista,) e teve um público menor que o da 
semifinal, cerca de 45 mil pessoas.

Num jogo com chances de gol desperdiçadas dos dois lados, apenas aos 31 minutos do segundo tempo é que a bola estufou as redes.

Puc fez o gol tchecoeslovaco, que calou a torcida italiana, que ficou na espera de uma reação do time, que já tinha conseguido empatar contra a Espanha.

Minuto a minuto e a bola teimava em não entrar. Aos 36, numa das blitz italiana na área rival, a bola sobrou para Orsi encher o pé. Porém, a bola, caprichosamente, raspou a trave e irritou "Il Duci" que via tudo das arquibancadas.

Depois dos 40 minutos até o árbitro sueco torcia, e influenciava, para que o donos da casa ao menos empatassem e que a partida seguisse para a prorrogação. O técnico tchecoeslovaco coçava a cabeça preocupado com a pressão italiana e com o que poderia acontecer com ele e seus atletas caso o resultado prosseguisse. Afinal, Mussollini criara até outro troféu (Copa Del Ducce) para agraciar os melhores do mundo, com a certeza que o título seria dado pelos seus compatriotas.

E Ivan Eklind adiava o final do jogo. Quando o relógio já apontava a marca de 50 minutos, foi a vez de Schiavo perder uma grande oportunidade.

Aos 52 minutos, como não dava mais para continuar a partida além disso, o árbitro sueco se aproximou da saída de campo, apitou e correu, acompanhado pelos jogadores da Checoslováquia, que não se preocuparam sequer em pegar os seus materiais no banco. Mais uma prova que o esporte pode detonar ideias de superioridade de "povos" ou "raças".

* A Copa do Mundo foi entregue pela Fifa, quando ela conseguiu pegá-la, seis meses depois da final em Praga. O governo de Mussolini puniu alguns atletas, mas o povo italiano passou a ver com "outros olhos" o fascismo.


* Relembrando, caso apareça algum desavisado: os textos da série E Se... não tem nenhuma intenção de se tornar referência histórica, ou seja, não adianta comentar, como fizeram no outro espaço, que eu estava errado. Eu não só sei disso, como afirmo que a intenção é esta. Sejamos criativos, amig@s! Como dizia no primeiro texto, a coluna E se... não chegou para mudar a história do futebol, mas para contar o seu principal evento de uma forma diferente. Leia as duas edições anteriores: http://terrainteressados.blogspot.com.br/search/label/Se.

2 comentários:

  1. Duas correções, amigo:

    1 - Guaita, Orsi, DeMaria e Monti (não Menti) eram todos ítalo-argentinos. Não havia nenhum ítalo-uruguaio na Seleção Italiana e conseqüentemente nenhum postulante a ser o "único bicampeão do mundo".

    2 - Dos ítalo-argentinos, quem disputou também a Copa de 1930 foi Luís Monti e não Raimondo Orsi.

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    1. Obrigado pelas correções em relação aos jogadores de outros países que atuaram pela Itália. A inclusão do Orsi, na que na verdade seria o Monti, como "bicampeão" é levando em conta que o título de 1930, pela "E se...", teria ficado com a Argentina.

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