sábado, 12 de maio de 2012

TEMPOS MODERNOS: A fase da multiplicidade da oferta


Algumas vezes, quando aparecem textos neste Observatório que tratam da “Fase da Multiplicidade da Oferta” – que, no caso brasileiro, inicia-se aproximadamente a partir da Lei do Cabo, aprovada em 1995 –, há quem questione o conceito para definir o período histórico em que novos agentes passam a atuar no mercado comunicacional brasileiro.

Para explicar um conceito desenvolvido pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), este texto tratará das mudanças vivenciadas no futebol, tendo como perspectiva a participação de novas formas de comunicá-lo enquanto bem cultural adaptado à forma de mercadoria. Antes de qualquer outra coisa, a “Fase da Multiplicidade da Oferta” é um dos reflexos da quebra de barreiras político-econômicas mundiais que se dá sob liderança dos Estados Unidos, a partir do fim do padrão dólar-ouro, ainda na década de 1970, e que é complementado com a aplicação das políticas neoliberais pelos governos Reagan (EUA) e Thatcher (Reino Unido), a partir dos anos 80.

As empresas transnacionais se expandem geograficamente de forma ainda mais rápida do que era feito até então, assim como adentram em outros ramos industriais. Um deles é a comunicação, que intensifica o seu processo evolutivo ao se tornar um setor econômico que envolve bilhões de dólares e com uma complexidade bem maior que a posse de meios de comunicação “tradicionais”. Há o acréscimo das empresas de telecomunicações, que se desenvolvem rapidamente a partir da década de 1990, inclusive em países “em desenvolvimento”, com a permissão de empresas privadas na telefonia, a chegada da TV de transmissão paga e o desenvolvimento e a expansão do acesso à internet.

Atração de “parceiros”

No caso do futebol, percebe-se, especialmente a partir da década de 1990 – com a formação da Premier League na Inglaterra e o aumento dos contratos dos direitos de transmissão – que o futebol vai ser ainda mais explorado enquanto mercadoria. A transmissão dos principais torneios do mundo é disputada por grandes grupos comunicacionais; os clubes passam a ter interesse em expandir suas marcas ao redor do mundo, quando não são adquiridos por novos bilionários – por estarem no mercado de ações; e os jogadores tornam-se super-astros globais, com altíssimos salários e patrocínios individuais, com os mais variados tipos de mercadorias, de empresas de material esportivo (contrato vitalício), a telefonia móvel, cervejas e até xampus.

Como se constituem mutuamente, hoje não é possível imaginar a prática do futebol sem a exposição midiática e sua respectiva transformação em produto dos meios de comunicação. A questão é que, com o desenvolvimento de outros meios de comunicação, a exposição das práticas esportivas não se dá apenas nos jornais, nos rádios e nas TVs, mas também nos mais diversos canais a cabo e via satélite, por celulares e pela internet. O futebol, os demais esportes e vários produtos estrangeiros ganham ainda mais espaço em outros países pela transmissão televisiva, especialmente pelos canais de TV fechada, ou por streaming.

Desta forma, se os clubes e a Fifa podem ganham mais dinheiro com a venda dos direitos de imagem, a multiplicação da concorrência, agora também entre as plataformas de comunicação, gera uma maior possibilidade de atração de “parceiros” comerciais. O que não necessariamente vai significar que haja uma maior distribuição da renda oriunda disso entre seleções e clubes ao redor do planeta.

Pluralidade e diversidade

Este, porém, vai indicar também o ponto de vista defendido sobre a “Fase da Multiplicidade da Oferta”: não significa que seja um momento importante para a diversidade e pluralidade. Tudo bem, com a internet há a possibilidade de produção de conteúdo contra hegemônico, mas as principais formas de distribuí-lo continuam sob o comando de poucos grupos – sem desmerecer a importância de se manter a neutralidade da rede e demais questões que se quer impingir com legislações que buscam estabelecer o controle e a vigilância excessiva de conteúdo na internet.

No caso do futebol, a sua ainda maior expansão mundo afora e a entrada de novos agentes para patrocinar clubes, campeonatos e federações; e de novos meios de comunicação para fazer a transmissão de seus conteúdos e marcas, também não significa uma diversidade e pluralidade de clubes e seleções a serem mostrados. A lógica continua a ser a de falar mais, transmitir mais jogos, dos clubes que podem atrair maior audiência para o programa ou produto, o que acaba afastando possíveis patrocínios e aumenta o fosso entre maiores e menores clubes, campeonatos ou seleções.

Como o próprio termo já traz, o que aumentou nas últimas décadas foi a oferta de bens simbólicos via meios de comunicação para os consumidores destes conteúdos. Os processos de mercantilização se expandiram, penetrando no de comunicação e nas instituições nela envolvidas. Além disso, para se ter uma maior pluralidade e diversidade de vozes nos espaços para discussão massivos, é necessário mais que alterações de ordem quantitativa e/ou tecnológica. A vontade político-ideológica para se contrapor a quem exerce a hegemonia nas relações de poder sob o modo de produção capitalista precisa ganhar força.

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Por Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos.

Originalmente publicado no Observatório da Imprensa.

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