quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quanto tempo, não é Lula? – Lula e a greve dos peões

O ano é 1979. O Brasil vive o que pode ser um novo período histórico, o militar João Batista Figueiredo assume com a promessa de realizar a gradativa abertura política. O movimento dos trabalhadores ressurgiu no Brasil de forma voluntária, sem lideranças, um ano antes.

É este o panorama histórico de Lula e a greve dos peões, livro escrito por Antonio Possidonio Sampaio em 1982, sobre o ano em que o ainda Luiz Inácio da Silva, de apelidos como Baiano, Taturana e Lula, aparecia como a grande liderança dos trabalhadores metalúrgicos de São Paulo.

O romance-reportagem descreve os 45 dias que movimentaram o ABCD paulista, com o envolvimento de personagens de vários tipos e de várias classes sociais: metalúrgicos e suas famílias, padres e bispos, jornalistas, advogados, donos de bar, empresários de pequenas e médias empresas brasileiras, de multinacionais, o ministro do Trabalho Murilo Mendes,...

Todos eles tinham suas versões para os motivos e a continuidade da greve e tentavam, segundo o poderio que possuíam, convencer a sociedade do que deveria ocorrer. Como pano de fundo a isso tudo estava o movimento sindical brasileiro, que teve neste movimento a prova da sua ressurreição.

FORMAÇÃO DA GREVE
O movimento sindical brasileiro passou por muito tempo atrelado aos governos vigentes, desde os tempos de Getúlio Vargas. Com a ditadura militar, era mais que óbvio o controle sobre as entidades sindicais no país. Porém, no final da década de 70 o movimento volta de maneira autônoma. A greve de 1978 foi realizada pelos próprios trabalhadores, em cada grupo de trabalho das fábricas. Nem mesmo os líderes sindicais sabiam.

No ano seguinte, já com maior organização, as discussões foram iniciadas tendo em vista a recuperação de 34,1% perdidos no início da década – manipulação nos dados assumida pelo Governo federal. Além disso, mais 44% de reposição salarial devido a inflação. Foram quatro meses de negociação com os patrões e nada foi resolvido. De início, a oferta era de 15%, menos da metade da recuperação salarial do que fora absorvido anos antes.

A greve fora incentivada por Lula, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e seguida em outros municípios. A diferença para a greve do ano anterior foi a conquista de mobilização em todas as fábricas, independentemente do tamanho. Para isso, os trabalhadores fizeram desde piquetes até conversaram com os “fura-greves” nos pontos de ônibus e/ou nas próprias casas.

Assim, ia por terra a expectativa da direção da Fiesp de que os trabalhadores não aguentariam tanto. Não é à toa que tiveram que utilizar a propaganda por panfletos e na televisão para criar artifícios para obrigar a volta dos trabalhadores. As mulheres eram as que assistiam em casa e perguntavam aos maridos depois, daí a estratégia de Lula de convocar as mulheres dos “companheiros” para as assembleias.

E este era um momento especial. O gramado cedido pela prefeitura recebia cada vez mais pessoas. De 30 mil, o número passou a casa das 100 mil pessoas – mais do que o suficiente para encher, hoje, um Maracanã! Todos entoando “Pra não dizer que não falei de flores (Caminhando)”, de Geraldo Vandré.

LUIZ INÁCIO
Pelo que consta no livro, o filho da dona Lindu não era muito ligado ao movimento sindical, preferia tomar seus goles de 51 e conversar com amigos trabalhadores, até resolver, mesmo após o acidente de trabalho que he cortou um dedo, entrar para o sindicato.

Lula não era apenas o líder, mas o guia de todos, por mais que alguns discordassem de uma ou outra atitude sua, era a ele que os “companheiros” escutavam. E ele sabia disso. Não é por menos que na perspectiva de intervenção no sindicato, o próprio pedira que os trabalhadores continuassem na luta, mesmo sem que a diretoria estivesse oficialmente ali. Ele costumava dizer, e reafirmou nesta situação, que “sindicato não é o prédio, mas sindicato é o trabalhador dentro da fábrica, é o trabalhador na praça”.

Mas nem a liderança e a confiança dele foram suficientes. A repressão veio com a intervenção, cujo número de policiais era impossível de enfrentar – além do que, o presidente do sindicato pedira para que os trabalhadores não se defendessem, para que as pessoas os vissem como um movimento ordeiro.

Após alguns dias sumido, por questão de segurança, e com a representação dos trabalhadores, já que a diretoria estava ilegal, a comando de Dom Cláudio Hummes, uma assembleia definira o rumo das coisas após mais de um mês de greve.

Os sindicatos das vizinhas Santo André e São Caetano não conseguiram manter os trabalhadores na busca dos 78,1%. Eles, e outros no Estado, resolveram aceitar os 61% oferecidos, e esse valor para determinados cargos apenas, outros ficaram com um pouco mais de 40%.

Além disso, o próprio estádio onde faziam as assembléias foi tomado por policiais, que obrigaram-nos a se reunirem em praça pública, apesar de o prefeito da cidade ter conseguido o espaço de volta.

A alimentação e o dinheiro doados já não eram suficientes para atender a tantas famílias que não tinham mais como se manter com a suspensão de salário. Assim, muitos voltaram ao trabalho, já que os piquetes estavam proibidos.

Numa assembleia menor, Lula, que ficou dias acordado devido à greve, resolve orientar os “companheiros” a aceitar a última das propostas oferecidas, que garantia não apenas os 61% para todo mundo, mas também a volta da direção do sindicato. Ele se dizia obrigado a ser o primeiro a reconvocar os trabalhadores para greve caso os requisitos não fossem obedecidos.

Alguns se revoltaram com o lidero e começaram a reclamar, mesmo quando não saíram do estádio, irritados com a interrupção da greve. Estudantes e intelectuais conjeturavam a hipótese de Lula sempre ter sido um representante dos patrões infiltrado nos trabalhadores. Mesmo assim, a assembleia resolveu voltar ao trabalho.

Essa decisão traz um importante fato sobre o movimento sindical nacional: o fato de estar baseado na prática – ao contrário, por exemplo, do inglês. Uma das grandes justificativas de Luiz Inácio da Silva foi que eles precisavam provar que não queriam bagunçar o processo de abertura democrática, que eram um movimento pacífico. Algo que nem de longe lembra um processo que visa a transformação social desta realidade:

Não era apenas por mais alguns por cento de aumento nos salários que eles lutavam: os peões jogaram tudo para serem tratados como gente, respeitados; queriam seu espaço na tal de abertura e, por isso, ergueram os braços, exigindo, ao invés de passar o resto da vida com a mão em forma de concha, mendigando. Não reclamavam favores, clamavam por seus direitos (Ricardo Kotscho, prefácio, p. 4).

No ano seguinte, Lula e alguns outros foram presos. Com a volta do pluripartidarismo, ele e outros próximos fundaram o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) enquanto organizações que visavam conter e representar o povo.


Lula, o filho do Brasil

30 anos depois, Lula está incluso no nome de Luiz Inácio. E não foi só isso que mudou, os banqueiros e os empresários nunca ganharam tanto, mesmo com crise econômica e com um governo com origem nos trabalhadores; já o movimento sindical vive numa constante crise, desde a “volta da democracia”, crise esta agravada com a chegada do PT à presidência da República.

A situação está tão diferente que José Serra (PSDB) diz que hoje estaria (revista piauí, outubro de 2009), segundo o que se pensava antes, à esquerda de Lula! Realmente, quanto tempo, não é Lula?

SAMPAIO, Antonio Possidonio. Lula e a Greve dos Peões. São Paulo: Escrita, 1982.

Um comentário:

  1. Lembro da esperança do povo brasileiro quando o Lula foi eleito presidente.

    Muitos, inclusive familiares meus, eram PT doentes... Hoje, muita coisa mudou, mas acredito que este governo não foi tão ruim.

    Abraços, Jessica Corais

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