quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

[Gauchão 2012] Enquanto os grandes trocam birras...

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Sou de fora do Rio Grande do Sul e não só apaixonado por esportes, especialmente pelo futebol, como o dito cujo é o meu observável de pesquisa. Se eu tanto temi transformar a minha paixão em objeto de estudo, só percebi nesse quase um ano em terras gaudérias que é muito bom estudá-lo. Pois bem, uma das perguntas que geralmente me fazem é: "já escolheu para quem torcer?".

Durante um tempo até dizia que ainda não, por mais que não gostasse de vermelho por conta da rivalidade alagoana, o Grêmio não me atraía. Depois de um tempo, percebi que se um gaúcho fosse para Alagoas provavelmente iria se recusar a ter de escolher entre CSA, CRB e, nos últimos anos, o ASA. Por que eu tenho "obrigação" de escolher um time no Rio Grande do Sul, por que um da dupla Gre-Nal?

Com esse acompanhamento mais de perto do Gauchão deste ano - e após um longo período de convívio com um amigo xavante (torcedor do Brasil de Pelotas, para os de fora) - fui percebendo algumas coisas de como o futebol é tratado no Rio Grande do Sul, escrevendo, inclusive, sobre elas. Parece que grandes grupos comunicacionais e a própria Federação se preocupam mais com o sucesso da dupla Gre-Nal, quer dizer, quase que exclusivamente.

Por exemplo, ouvindo a narração de uma das rádios de um jogo do Cruzeiro, ainda situado em Porto Alegre, o repórter de campo não sabia a pronúncia do nome do jogador que iria entrar. Eu sabia, pois ouvi outros jogos do Cruzeirinho por rádios web e/ou com streaming pela internet. Enquanto o time seria "prejudicado" por uma decisão do TJD que até este momento não foi publicada em site algum, pouco vi e ouvi representantes do clube que perdeu seis pontos que, numa coincidência cruel, acabou "cedendo" a vaga para o Grêmio na segunda fase. Nada também do fim do patrocínio do Banrisul para 11 clubes - que praticamente foi comemorado pela FGF.

O até então exemplo clássico dessa postura era o Globo Esporte RS, que desde o ano passado conta com todo o tempo disponível para tratar do esporte local. Quer dizer, do futebol gaúcho, em detrimento a grandes clubes esportivos, como o Grêmio Náutico União. Mas ainda é pior, pois o futebol local parece ser restrito à dupla Gre-Nal. Parecia. Dentro de algumas horas, ele será apresentado direto do centro de uma cidade do interior. O motivo? A final da Taça Piratini será com Novo Hamburgo, aqui do Vale dos Sinos, e Caxias, da região serrana.

SEMIFINAIS
Na primeira partida do domingo, o Grêmio estreava Vanderlei Luxemburgo no comando técnico de um elenco que passou por cima do favorito Internacional nas quartas de final sob a batuta do interino Roger. O Caxias vinha com a segunda melhor campanha no geral, mas parecia ser a zebra em seu próprio estádio, o Centenário. Pensariam os gremistas de que se já foi o Inter, o que será do time grená do outro lado?

Não sei. Numa partida razoável - já que a boa mesmo estava por vir à noite -, o Grêmio abriu o placar no segundo tempo com Kleber, após os goleiros Victor e Paulo Sérgio evitarem alguns gols até ali. Aos 39 minutos, Marcos Paulo cabeceou para o gol e, com 17 anos, fez o seu primeiro tento enquanto profissional do Caxias. 

Quem esperava aquele empate, seria a chance para se vingar da final da Taça Piratini do ano passado, quando o time da Serra abriu 2 a 0 ainda no primeiro tempo, em pleno Olímpico, e cozinhou o jogo até levar o empate depois dos 50, perdendo nos penais?

O capitão Lacerda ainda acertou um belo cabeceio, defendido por Victor, que parecia estar retornando aos seus bons tempos.

Confesso que sou fascinado por ver cobranças de pênaltis - desde que o meu time não esteja envolvido. Se o futebol é imprevisível, os pênaltis são ainda mais. Não tinha como apostar em nenhum dos dois, por mais que Victor ainda estivesse com a camisa tricolor. Marco Antônio, que dera duas assistências para Kleber nos últimos dois jogos, muito cobrado para ser o substituto de Douglas, o fugitivo, foi para a cobrança. Todo mundo, gremistas ou não, devem ter pensado: "do jeito que está, vai errar!".

Paulo Britto acabara de secar sem vergonha alguma o lateral-esquerdo Fabinho, "muito bom jogador, bate bem na bola, mas nunca se sabe". Não dera certo. Com Marco Antônio, nada de exprimir o que todos pensavam naquele momento. Pois bem, o xará do narrador de chavões irritantes defendeu o pênalti. No último, o goleiro caxiense foi para a cobrança. Desde o início, o narrador provocando, dizendo que nunca tinha visto goleiro fechar cobranças. Paulo Sérgio bateu forte, Victor desviou, a bola foi no travessão e entrou!

A final sem qualquer integrante da dupla Gre-Nal estava confirmada. Restava saber se seria o confronto entre os dois melhores do torneio até aqui, Caxias e Novo Hamburgo, ou o clássico de Caxias do Sul, o CAJU.

E que jogo o de Novo Hamburgo X Juventude. O alviverde abriu o placar no início, depois o Noia empatou com gol de atacante ídolo do papada, Mendes, que fez seu primeiro tento com a camisa anilada. Nova jogada aérea, muito confusa por sinal, e alguém, o zagueiro do Ju ou Alexandre, colocou para o gol.

Acompanhando a peleja por uma rádio de Novo Hamburgo, pude perceber o desespero do narrador no segundo tempo, com o anilado recuando mais e mais. Aos 39, da mesma forma que em Caxias um pouco mais cedo, Athos chegou chutando dentro da área, após espanada do zagueiro rival, que Eduardo Martini só olhou.

Martini, ex-Grêmio que falhara na estreia contra o Inter, que ficara desacordado na quarta de final. Ele que, aos 46 minutos de jogo, quando nem o narrador acreditava, mandou um balão pra frente que foi cair nos pés de Paulinho Macaíba. Atleta que tanto conheço pelas passagens no CSA no nosso último título alagoano em 2008, e no ano em que eu virei Azulino de coração em meio à segunda divisão local, em 2010. Macaíba encobriu o goleiro e fez o narrador da Rádio ABC gritar até quase perder a voz. Esse sim refletiu o sentimento da torcida ao longo do jogo, do gooool murcho àquele GOOOOOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLLLLLL no melhor estilo Galvão Bueno gritando "É tetra! É tetra!".

Já havia acompanhado jogos com narração oriunda de Santa Cruz do Sul, para jogos do Santa Cruz, e me impressionara com o fato de os locutores das rádios defenderem os clubes dos seus municípios. Diverti-me muito com isso, mas o do Novo Hamburgo ficará na minha memória pelo conjunto da obra. A tristeza em cada gol sofrido, a alegria da virada, a revolta com o recuo do time e o grito escandaloso com a classificação.

Daqui a algumas horas, Novo Hamburgo e Caxias entrarão em campo no Estádio do Vale para uma final, antes de qualquer coisa, merecida. Oriundos da chave 2, foram os dois melhores clubes até aqui com uma folha mensal de 220 mil reais, que deve ser menos do que o Jô recebe para ser reserva do Inter e só fazer uma partida razoável em mais de seis meses de colorado.

MÍDIA ALTERNATIVA ATIÇA O ANTI-GRENALISMO

Em meio a essa incessante busca de informações por todos os clubes, acabei conhecendo mais a fundo sites como o Copero FC e o Toda Cancha, feitos para os clubes do interior - e, por alguns torcedores desses clubes. Além do Impedimento, que apesar de ser mais voltado ao futebol sul-americano, não perde as tradições gaúchas. Acompanhar o Twitter dos três é certeza de informação sobre o futebol local, e muitas vezes com direito a minuto-a-minuto e várias piadas.

Sou alguém que busca a olhar a mídia de forma crítica, mas com ajuda de tantos torcedores fanáticos por contar as histórias de clubes "menores", isso vem ficando ainda mais fácil e divertido para o jornalismo esportivo.

Para piorar, além da cor do Inter e do Grêmio ter contratado o traíra Gladiador e o Profexô, que tanto tenho apreço (ironia), vejo disputa entre torcedores da dupla para saber quem foi pior na Taça Piratini... Enquanto os grandes trocam birras, Novo Hamburgo ou Caxias garantirão um segundo turno tranquilo e resgatarão um título para o interior, que apesar de várias adversidades, será o grande vencedor de 2012!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

[Por Trás do Gol] Jogadores do mundo, uni-vos!

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Tinha visto um título de matéria aqui ou ali, mas só na sexta-feira li textos referentes à greve dos jogadores de futebol no Campeonato Peruano. Após anos e mais anos com os clubes não horando os compromissos salariais com os seus jogadores, a Agremiação de Futebolistas (Safap) pressionou a Federação Peruana de Futebol e conseguiu que os clubes fossem obrigados a negociar as dívidas para poderem participar do campeonato local em 2012.

Só dois dos dezesseis times, ambos recém-saídos do amadorismo, conseguiram não só pagar todos os salários atrasados, como apresentar garantias de que poderiam fazê-lo para esta temporada. A associação dos clubes fez um acerto com a Federação e prometia pagar o que devia em até 24 meses (dois anos!). Os jogadores discordaram, querendo receber em 12 meses. Sem acordo, os atletas, mesmo os de clubes que pagavam em dia, entraram em greve, "ameaçando" não só o campeonato peruano, mas também os representantes nacionais na Copa S... Libertadores, Juan Aurich (que está no grupo de Santos e Internacional) e Alianza Lima (adversário do Vasco).

Os jogadores não atuaram pela primeira rodada, com os torcedores vendo os juvenis das equipes em campo. Na Libertadores, todos continuaram a jogar, ao menos por enquanto. Apesar que os atletas do Alianza, com dois meses de salários atrasados, fizeram, literalmente, uma fila da sopa em frente ao estádio.

De concreto, o Universidad São Martin, um dos que pagavam em dia, fechou as portas. Enquanto o outro que fazia o mesmo, o Universidad César Vallejo, resolveu demitir todos os jogadores por "deslealdade". Fala-se nos bastidores que o clube pretende contratar os jogadores do São Martin. O Inti Gas também demitiu todo o elenco grevista, enquanto que o Sport Boys enviou carta de demissão a cinco dos então titulares...

O presidente da Federação estava em Zurique, em meio à grave crise local, e só após muita pressão pública é que "justificou" sua ausência para resolver justamente este problema. Uma das hipóteses, defendida por alguns clubes, seria cancelar o Nacional do primeiro semestre.

(Vi notícia após publicar este texto, que o presidente retornou e proporá novo acordo. Caso os clubes sigam sem pagar salários perderam dois pontos na classificação global do campeonato, mais dois no segundo mês e será excluído do torneio caso passe três meses. Esperar para ver...).

ASSUNTO ANTIGO E CORRIQUEIRO
O assunto é mais antigo do que se pensa. No próprio Peru havia até então uma regra de que clubes com salários atrasados poderiam perder pontos de partidas. Quatro times perderam pontos nas temporadas de 2010 e 2011, mas tudo continuava a ocorrer como antes até a revolta geral neste ano.

Também não é algo novo no mundo dos esportes. As temporadas 2011/2012 de esportes como o basquete nos Estados Unidos (NBA) e o hóquei no gelo (NHL) tiveram o início adiado até que a divisão de lucros fosse resolvido, passando meses num lockout - greve ao contrário, em que os proprietários dos clubes não deixam os atletas usaram a estrutura física até resolver o impasse financeiro.

No futebol, Espanha e Itália viram seus famosos e milionários campeonatos nacionais terem que adiar a primeira rodada porque vários clubes não estavam pagando em dia. Enquanto Real Madri, Barcelona, Milan, Juventus e Internazionale gastam fortunas com cada atleta, vários outros times não conseguem manter o elenco por um mês sequer. 

Vale lembrar que mesmo os atletas do grandes, que pagam muito e em dia, fortaleceram a greve. Com destaque para o capitão da seleção espanhola e do Real Madri Iker Casillas, e o capitão do Barcelona, Carles Puyol, que apareciam na primeira fileira atrás do presidente do sindicato dos jogadores.

Os campeonatos começaram após uma garantia de que se criaria um fundo para ajudar os atletas caso os clubes atrasassem salários e  o estabelecimento de novos acordos para rever o que os clubes deviam.

No Brasil, vimos a disputa TrafficXFlamengo quanto ao não pagamento de parte dos salários de Ronaldinho Gaúcho por não haver contrato entre a empresa e o clube. Além desse caso, o rubro-negro carioca deve muitos meses dos direitos de imagens de Deivid, que entrou na Justiça, e viu Alex Silva abandonar o barco antes da estreia na Pré-Libertadores. Não canso de repetir o "filósofo" Vampeta para este caso: "Eles fingem que pagam e eu finjo que jogo" - Ronaldinho, mesmo recebendo, esqueceu de mudar a segunda parte...

Outro caso comentado neste início de ano foi do Vasco da Gama. Sem receber parte dos salários há alguns meses, os jogadores resolveram parar de se concentrar antes das partidas. Concentração, lembramos, que foi abolida para os casados na época da "Democracia Corintiana", na década de 1980, e que não existe para jogos em casa na Europa.

Enquanto os resultados em campo deram certo, não se viu problemas nesta decisão dos vascaínos. O "mundo" caiu em cima mesmo foi do meia Bernardo, que entrou na Justiça para receber os atrasados. Torcida começou a vaiá-lo em campo, jogadores discordaram da decisão dele e indicaram que o caminho do jovem jogador no Vasco poderiam estar chegando ao fim...

No Cruzeiro, que após os mandatos dos Perrela viu a "fonte" secar, o novo presidente mal assumiu e caçoou da reclamação dos jogadores por conta de atrasos salariais, ao dizer em entrevista coletiva que "eles reclamam porque recebem pouco, dependem do salário para sobreviver". Em resposta, os jogadores divulgaram uma carta para a imprensa repudiando o presidente do clube.

UNI-VOS
Até entendo a importância de regulamentação trabalhista também para o caso dos jogadores de futebol - e que deveria existir também para a arbitragem, num entendimento de ser considerada profissional -, mas é preciso mais do que o frequente individualismo das "estrelas da bola" para que casos de falta de pagamento sejam punidos de forma exemplar.

Após eu reclamar de que não deveriam ser os jogadores a serem demitidos, mas os dirigentes dos clubes peruanos, sugeriu, ironicamente, um "Jogadores do mundo, uni-vos". Até que não seria uma má ideia.

Antigamente, os atletas estavam presos aos clubes por conta do passe, em que eles só poderiam sair caso o time de origem autorizassem. Em meio a um processo de liberalização econômica, iniciativa de livre mercado, havia regras sobre o trabalho da época da escravidão, nem de perto próxima ao "acordo" de venda de trabalho que existe com o capitalismo...

Na década de 1970 houve um jogador brasileiro a conseguir na justiça o direito de transferência sobre a sua força de trabalho, mas só na década de 1990 que isso muda em parâmetros internacionais. Jean-Marc Bosman, após uma batalha judicial de anos, consegue em 1998 sua liberdade enquanto jogador de futebol e a de todos os demais, já que ações semelhantes na Justiça teriam a mesma interpretação. 

No mesmo ano, o presidente FHC sancionou a Lei do Esporte/Pelé, com alguns incrementos em 2000 e 2003, permitindo que os atletas saiam de qualquer clube de futebol, independentemente de contrato, caso eles estejam três meses sem depositar o FGTS - como qualquer outro trabalhador - e/ou seu salário. Esta renovação do código desportivo é muito centrada sobre a prática do jogador de futebol, deixando vácuos nos esportes considerados amadores. Apesar dela, sob a rúbrica de "direitos de imagem", onde concentram a maior parte do salário a ser pago, abriu-se uma via para o atraso sem se perder o jogador.

Vivemos num mundo que, muitas pessoas se gabam, de ser globalizado, em que se pode ter empresas estadunidenses explorando trabalhadores nos confins asiáticos e jogadores brasileiros ganhando muito em confins da Arábia ou na China. Nem sempre o jogador consegue receber em dia e, o pior, fica a mercê de parcas legislações trabalhistas.

Uma entidade sindical que pudesse trabalhar em conjunto com os jogadores de futebol, seja de qualquer valor salarial, poderia criar uma situação diferente para a prática deste esporte, revertendo a lógica de que quem manda é o patrão (que pode ser o cartola brasileiro, o mafioso russo ou o bilionário sheik). Os torcedores - outro grupo que deveria se unir pelos seus direitos e pelos da sociedade, como fizeram no Egito - poderiam saber o porquê de algum jogador não querer sequer entrar em campo pelo clube.

No mundo do trabalho só se pode existir lealdade entre os membros de uma mesma classe!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"O mundo secreto da FIFA" pelo inimigo número 1 de Blatter e cia.

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Geralmente os meus textos sobre livros que li trazem uma simples foto da obra, em que eu tento achar na internet a capa da edição que eu tive acesso. A exceção para ilustrar Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA -  compra de votos e escândalo de ingressos é porque merece. A edição brasileira traz a frase "O livro que a FIFA tentou proibir", o que já seria uma grande justificativa para criar a curiosidade daquel@s que, da mesma forma que eu, também gosta de ver o futebol para além das quatro linhas.

Outro motivo de sobra para despertar a curiosidade sobre o livro é que o autor é um dos pouquíssimos, senão o único, jornalista no mundo proibido de participar de qualquer evento da FIFA, e isso desde 2003!

O experiente jornalista britânico Andrew Jennings esteve no Brasil ano passado, com direito a participação na Comissão de Esporte e Turismo da Câmara Federal e "aula" de como deveriam atuar os nossos congressistas em relação às obras da Copa do Mundo FIFA e a Ricardo Teixeira em particular - como se adiantasse...

Jennings trabalha há algumas décadas como jornalista investigativo, algo cada dia mais raro na terra brasilis, dedicando algum tempo para investigar o ex-todo poderoso do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Antonio Samaranchi - um franquista alçado a um importante cargo graças a Horst Darssler, herdeiro da Adidas. O cúmulo dos casos de corrupção ligado ao COI foi a decisão para que Salt Lake City, nos Estados Unidos, torna-se sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002, com muito pedido de propina.

Após isso, foi sugerido para que ele investigasse, a partir do final da década de 1990, o futebol, a paixão maior dentre as atividades esportivas e de lazer do mundo. Jennings descobriu vários problemas e disfunções éticas na atuação dos principais dirigentes da FIFA, incluindo João Havelange, Ricardo Texeira, Julio Grondona (AFA), Jack Warner (Concacaf), Mohamed Bin Hamman (Catar), Jérôme Valcke e tantos outros... Só que o destaque é o atual presidente, que sempre se utilizou da palavra "transparência" sem jamais praticá-la: Joseph S. Blatter.

Muito Jogo Sujo
Geralmente com filmes e livros quando eu chego com muita expectativa, saio um pouco frustrado, mas Jogo sujo é um primor tanto na qualidade do texto, com um sarcasmo excepcional em algumas partes - seja no contar quanto no agir profissional para conseguir as informações, geralmente negadas - e o profundo conhecimento, histórico e baseado em documentos e fontes privilegiadas, sobre o assunto. Em nenhum momento pode-se dizer que houve um deslize ético do jornalista ou que ele possa ter mentido.

Um caso curioso é o que se dá durante a escrita do livro, que viria a ser entregue à editora no final de 2006. Primeiro, um relações públicas da FIFA tenta ficar amigo de Jennings, mas não esperava que o jornalista fosse fazer algumas perguntas sobre a sua trajetória, aparentemente antiética, com informações  de profissionais e demais pessoas. Peter Hargitay esquece a camaradagem do início e chega a fazer uma ameaça velada de espionagem - o que faz o autor desconfiar e descobrir que seus telefones estavam grampeados...

Depois, ameaças de entrar na Justiça contra autor, editor e distribuidoras caso o livro seja publicado, com direito a pedido para ver a obra antes de ela ir para gráfica, a famosa possibilidade de censura. A curiosidade relatada é que todas as ameaças neste sentido nunca se concretizaram com ações judiciais. Por que será? Num momento, quando o autor publicava matérias sobre corrupção na FIFA, ainda pelo Daily Mail, os advogados da entidade chegaram a exigir uma retratação financeira mesmo sem qualquer ação judicial...

O livro saiu, não só lá no Reino Unido, ou na Suíça, como em todo o mundo, caso da edição brasileira que adquiri, ironicamente, em Brasília - imaginam um "Jogo Sujo: o mundo secreto do Congresso Nacional"? Fiz várias anotações para rever e registrar com maior interesse posteriormente, então o intuito do presente texto não é tanto adentrar em citações do livro, mas apresentá-lo de uma forma mais geral que o normal, gerar ainda mais curiosidade.

Dentre as coisas possíveis, de memória, a relatar, estão as eleições de João Havelange e de Joseph S. Blatter. É incrível como Havelange consegue destronar o britânico Stanley Rous com uma campanha nunca antes vista na FIFA, com o apoio direto do dono da Adidas, Horst Dassler. A principal promessa era abrir mais vagas para os continentes africanos e asiáticos. Além disso, justiça seja feita, para o bem e para o mal o ex-nadador e ex-presidente da CBF foi importante para a segunda fase de expansão do futebol, contando com imenso apoio da empresa de Dassler e da Coca-Cola, com projetos de difusão e prática do esporte nos países - por mais que com casos "escusos".

Blatter assume, do "nada", a secretaria-geral da FIFA na década de 1980, durante a reformulação feita pelo seu então chefe. Ele dá com os "burros n'água" numa tentativa de romper com o domínio de Havelange nas eleições de 1994, mas, surpreendentemente, salva-se do episódio e é o candidato da "situação" em 1998, numa grande disputa contra o então presidente da UEFA, Lennart Johansson, que prometia apagar a corrupção da entidade.

Jennings conta como Blatter consegue magistralmente, com ajuda de escudeiros como Blazer e Bin Hamman,  com direito a apoio do filho do ex-ditador líbio Muammar Khadafi, que era presidente da associação de futebol local e tudo o mais. A unida Europa se divide. A Inglaterra vota em Blatter sob a promessa de sediar a Copa do Mundo de 2006.

As eleições futuras também utilizam de argumentos como compra de votos e promessas realizadas sob a marca de utilização dos recursos da entidade para a campanha pessoal de um dos candidatos. Num estranho esquema de compensação financeira que com o tempo vai degradando as contas da entidade, auxiliada pelo repasse "cego" de recursos para os membros do Comitê Executivo.

Outro ponto interessante é a escolha das sedes da Copa do Mundo FIFA. Recentemente vimos o rebuliço causado pelas escolhas de Rússia e Catar (com uma temperatura altíssima) enquanto sedes dos mundiais de 2018 e 2022, em detrimento da Inglaterra, que este ano terá em Londres os Jogos Olímpicos e que, dentre outras coisas, acusou Ricardo Teixeira de pedir propina - o que não está no livro porque não deu tempo...

2002 foi dividido entre Coreia do Sul e Japão porque após alimentar os dois países rivais, teve-se que ceder para evitar uma nova guerra, mesmo que em detrimento de muito dinheiro que poderia se ganhar num só país. 2006 foi prometido para a África nas eleições, com direito a suposto voto de Blatter nela, mas no final das contas, por 13 votos a 12, deu Alemanha - porque um dos membros do Comitê Executivo faltou e evitou que o presidente se desentendesse com um dos dois países.

Como consolo, 2010 seria na África, movimentando até países, como a Líbia, que mal tinham campo de futebol. No final, apesar de campanhas milionárias, como no caso da Tunísia e do Marrocos, prevaleceu a África do Sul e todo o tipo de aproveitamento da imagem de pessoas como Desmond Tutu e Nelson Mandela.

Por fim, mas não menos importante, vemos o trajeto da empresa de marketing esportivo ISL, que naufraga após a morte de Horst Dassler, seu criador, em meio a escolhas erradas (aquisições da C.A.R.T./Fórmula Mundial e dos eventos da ATP/tênis), muito gasto com propinas para membros de Comitês Executivos, seja no COI ou na FIFA, e apesar de muito apoio da FIFA. Para se ter uma ideia, a Rede Globo aparece na história após pagar 60 milhões de dólares em 1998 pelos  direitos de transmissão das Copas do Mundo e a parte da entidade, 22 milhões, nunca sendo paga pela ISL, que só veio a ser cobrada quando estava prestes a falir, em 2001.

Jennings conta primorosamente o desespero do diretor Jean-Marie Webber em meio ao naufrágio de uma empresa que trabalhava com bilhões de dólares nas mãos e com eventos bastante lucrativos. Em meio à crise do fim da parceria com o COI, a renovação do contrato com a FIFA se dá de uma forma totalmente desproporcional, batendo a até então fortíssima empresa estadunidense do setor de imagens, a IMG.

Nesta trilha, nomes importantes, alguns bem mais conhecidos que outros, vão e vem no livro, deixando qualquer leitor estarrecido com a capacidade de atos tão vis tendo como principal objeto uma das principais paixões mundiais: o futebol. Em Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA, Andrew Jennings nos prova por que o esporte deve ser levado a sério.

REFERÊNCIAS
JENNINGS, Andrew. Jogo Sujo: o mundo secreto da FIFA: compra de votos e escândalo de ingressos. Trad. de Renato Marques de Oliveira. São Paulo: Panda Books, 2001. Título original: Foul!