terça-feira, 21 de abril de 2015

O Homem que virou suco

Numa experiência nova nesta recente carreira acadêmica, estou numa disciplina com 40h presenciais e 20h para outras atividades. Como são 1h40 semanais - ao contrários das 5h da outra disciplina -, e a disciplina é mais voltada para análise teórica, ao menos para início, os audiovisuais ficam como "dever de casa".

Dentre as opções do primeiro trecho dela, utilizo como base o livro "Economia Política: uma introdução crítica" (PAULO NETTO; BRAZ, 2007) - que apresentei rápidos comentários sobre neste blog. Além de ser pontual e creio que mais didático para a agilidade necessária frente aos objetivos que propus para a disciplina, ele tem a vantagem de sugerir uma série de livros e audiovisuais que de alguma forma tocam no que foi debatido no capítulo.

"A acumulação capitalista e o movimento do capital" explica, a partir das bases marxistas, a reprodução ampliada, o movimento do capital, as tendências de concentração e centralização por conta da necessidade de acumulação de capital - o que mais me interessava no capítulo -, a acumulação capitalista e os trabalhadores e frente à "questão social". Tem explicitações sobre o processo de rotação do capital e explicita, novamente, como a exploração da mão de obra é necessária para se produzir valor (mair-valor/mais-valia), além de explicar o porquê da massa de desempregados e da existência da pauperização sob o capitalismo.

Dentre os filmes sugeridos está "O homem que virou suco", dirigido por João Batista de Andrade, exibido em 1980 e restaurado para exibição em 2010. Segundo o diretor, o filme foi pensado na década anterior, em meio aos piores momentos da ditadura militar no Brasil, gerando um cordel que serviria como roteiro do longa que foi retomado e produzido em 1979, ano da explosão das greves especialmente no ABC Paulista. De visão pessimista e apocalíptica, transformou-se num final mais suave.

Apropriação da força de trabalho
Das definições clássicas marxistas, o modo de produção ocorre com a aplicação do dinheiro do burguês para adquirir meios de produção (máquinas, alugueis, etc.) e a força de trabalho para produzir uma mercadoria que, gerando a necessidade humana, ocorrerá enquanto tal durante a circulação, refletindo as relações sociais de produção que a formam porque seu valor é definido pela expropriação do trabalho humano - não sendo definido apenas enquanto lucro, pois a importância é a mais-valia, única coisa que geraria valor neste processo.

Da tradicional fórmula D-M-D' já estaria engendrada a reprodução, pois o capital precisa seguir circulando, com a aplicação da mais-valia em capital variável e fixo, numa proporção maior do primeiro, pois quanto melhores as máquinas, aumenta-se a mais-valia relativa. Quer dizer, com a melhoria da estrutura de produção, um trabalhador gastará menos tempo para produzir um produto, produzindo mais a partir da venda da sua força de trabalho no mesmo tempo de antes.


O filme
Revisão feita, o filme trata da exploração do trabalho a partir da figura de Deraldo, imigrante paraibano confundido com um quase sósia seu, só que cearense, que matou o patrão estadunidense no dia que receberia o prêmio de "operário padrão". O paraibano estava longe de ser operário-padrão, era poeta, repentista e que só pensava em produzir sua arte para vender na rua, pois trabalhar não estava na conta - discussão sobre trabalho intelectual/cultural não aparece aqui...

Enquanto sofre por conta da dúvida, que se acelera por Deraldo ainda não ter nenhum documento na "cidade grande" (São Paulo), ele passa a ter de vender sua única mercadoria, a força de trabalho, para poder sobreviver. Trabalha em obra, em casa de família rica, como carregador na feira, em obra do metrô e sai de cada um deles se irritando com o mau tratamento seja dos patrões ou dos representantes deles (caso do chefe de obra). Mesmo quando vai se tratar numa clínica beneficente, há a exploração da precariedade da vida das pessoas para deixar boa a imagem de uma condessa portuguesa - o que pode ser usado como exemplo de se ter pessoas em estado de pauperização.

Há a exposição das contradições entre as classes e a dificuldade enfrentada, especialmente por quem é imigrante, para conseguir um emprego qualificado quando não se tem formação adequada e, repito, a única coisa disponível é a mão de obra para qualquer tipo de trabalho.

Claro que aqui se tem uma pessoa com nenhum pingo de paciência e sem nenhum dependente (filho/família) que o faça ter a necessidade de um pouco mais de calma para lidar com a exploração e o assédio moral do dia a dia. Ele até dormiu na rua, mas a situação poderia ser diferente quando se tem mulher e filhos...

Vivia-se um momento de início de transição após os limites impostos pelos militares nos anos 1970, com o desenhar de uma sociedade que poderia lutar por seus direitos - greves e a lei da Anista, ainda que depende para o lado de lá, servindo como contextualização.

Deraldo explicitava a impaciência quanto às situações de opressão, mas tinha como problema a individualidade, não tentando se juntar com os colegas de trabalho para propor melhores condições de vida - é demitido da obra porque não tinha equipamentos de proteção, pois "não era besta de pagar" por algo que o chefe deveria ter dado, ao reclamar disse frente ao dono do imóvel, gera atritos com a chefia.

Especialmente no caso dos imigrantes, sempre há quem acredite no sonho da cidade grande, pois, como diz um personagem, é melhor pedir esmola em São Paulo do que na própria terra. Tendo um grande número de pessoas precisando de emprego, fica bem mais fácil apostar num ramo específico quando este tem período de crescimento e, principalmente, negociar para baixo questões ligadas a pagamento de salários e o cumprimento de direitos trabalhistas.

A importância da coletividade aparece no trecho final e ainda assim para denunciar os problemas desse tipo de união e como os patrões tentam despistar qualquer ameaça com demissões dos líderes dos protestos tendo em vista melhorar a produção e ganhar mais, fazendo o que fosse necessário para isso.

O patrão morto no início ser estrangeiro demonstra também a presença de empresários de fora do país nos negócios locais, prometendo ajudar a desenvolver o Brasil propondo novas formas de opressão aos trabalhadores de indústrias locais, cuja mão de obra era mais barata que a de seus países de origem, movimento que se seguirá nas décadas seguintes, como prova a fuga de indústrias deste país para outros lugares.

Livro e filme
Apesar do exagero ao explicitar os efeitos do que ocorre, acredito que o filme serve como um bom exemplo ficcional para explicar a lógica capitalista tendo em vista o confronto que a marca: operário X patrão, perpassando, portanto, não só o capítulo sugerido, mas o anterior (relativo à exploração do trabalho) e outros, caso do último, que trata do capitalismo contemporâneo (presença do capital estrangeiro incluída).

Confesso que não gostei tanto do desenvolvimento do filme, que me pareceu poderia ter evoluído mais em alguns momentos de contradições, o que acabou por gerar um personagem mais caricato que só no tempo final é que se normaliza em meio à loucura de seu sósia, este que acabou tendo seu cérebro derretido pelo que ocorreu no seu ambiente de trabalho.

REFERÊNCIAS
PAULO NETTO, José; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2007. - (Biblioteca básica de serviço social; v. 1).

O homem que virou suco. Brasil. 1980. Direção: João Batista de Andrade. Duração: 94 min.

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