quinta-feira, 22 de maio de 2014

A liga mais equitativa é a que distribui mais dinheiro

Tirando as vezes em que os apaixonados pelo futebol preferem que se fale de possível interferência das ações de mercado no jogo ou da suposta diminuição de aparições de seus clubes do coração na TV, uma pergunta costuma ser frequente quando se trata de uma apresentação referente a direitos de transmissão de eventos esportivos, o futebol em especial: qual seria o modelo ideal?

Três dias após o término de uma das edições mais disputadas da história do futebol inglês, a Premier League anunciou em sua página na internet a divisão dos recursos do broadcasting. Um total de pouco mais de 1,5 de libras, em torno de 5,5 milhões de reais, foi dividido entre os 20 participantes do campeonato deste ano.

Tanto a quantia distribuída quanto a forma de distribuição trazem muitos exemplos do porquê de o campeonato mais rico do mundo seja o que melhor divide os recursos entre seus representados. Ainda mais quando comparado com os (supostos) valores pagos no Campeonato Brasileiro, em que a forma de organização dos clubes e, consequentemente, o poder de barganha na negociação com as empresas de mídia, é bem diferente.

A temporada 2013/2014 representa na Inglaterra uma mudança de patamar dos valores pagos pelas transmissões, a ponto de o último colocado da edição terminada no dia 9 de maio, o Cardiff City, ter recebido mais que o campeão da edição anterior, o Manchester United. O novo contrato representou um aumento de 70% apenas sob os direitos de TV, 62% quando comparado ao que foi pago no cômputo geral aos clubes entre as duas temporadas.

Negociação coletiva

O valor impressiona pelo momento atual da Europa, ainda que o Reino Unido, que não aderiu ao euro mesmo sendo integrante da União Europeia, não tenha vivido de maneira tão contundente os problemas financeiros de outros países do continente. É importante salientar, até como possível ressalva, que o novo contrato aumentou em 40 o número de partidas dos pacotes negociados. Ainda assim, o avanço financeiro é considerável.

Aqui no Brasil, pelo que se tem de informação, as Organizações Globo, detentora dos direitos de transmissão das partidas dos clubes no Campeonato Brasileiro nas diferentes mídias, deve pagar algo perto de 2 milhões de reais. Valor este que também sofreu grande aumento por conta da ameaça de concorrência da Rede Record a partir do final do contrato de parceria entre ambas, intermediados pela empresa de marketing esportivo Traffic, em 2006.

O primeiro ponto de divergência entre os dois modelos parte daí. Enquanto a Premier League anunciou o que cada clube recebeu poucos dias após o término da edição do torneio, os clubes brasileiros já sabem o quanto ganharão do broadcasting desde que começam o campeonato, com os valores aumentando de acordo com a venda do pay-per-view naquela edição – por mais que parte dos clubes já tenha recebido adiantamentos de direitos de anos seguintes por conta de má administração financeira. Aqui, os contratos são assinados sob sigilo, cabendo a pesquisadores e jornalistas esportivos a difícil tarefa de comparar os dados que aparecerem.

Algo que poderia justificar tal “silêncio” é que lá a negociação se dá de forma coletiva, ao contrário do Brasil, mas também de países como a Itália e a Espanha. Neste, Barcelona e Real Madrid negociam em separado, abocanham boa parte do bolo e deixam o resto a ser dividido entre os demais clubes, daí a surpresa quando um time como o Atlético de Madri, nesta temporada, ter vencido La Liga.

A divisão do dinheiro

O caso brasileiro é mais que conhecido. Vanguardista, a criação da União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro (Clubes dos 13) em 1987 para que os clubes começassem a organizar o campeonato nacional, chamado de Copa União naquele ano, que negociaram os direitos de transmissão com a Rede Globo por 5 anos, além de patrocínios pontuais, caso da Coca-Cola, companhia aérea e rede de hotéis. Só que já no ano seguinte a CBF retomou o torneio. Coube ao Clube dos 13 seguir negociando os direitos de transmissão dos seus representados até a edição de 2010, ápice de um processo que durava desde 1997 no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, cujos réus eram as Organizações Globo, os clubes e a entidade que eles formavam.

O resultado foi praticamente o encerramento do Clube dos 13, após este atender no contrato que seria de 2012 a 2014 às exigências do Termo de Ajustamento de Conduta assinado no Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade) que parou o andamento do processo de formação de cartel – e, segundo os dirigentes da Globo, terem acertado em paralelo um “valor absurdo” com a Record. Os clubes, que têm no broadcasting não só a sua principal receita, mas a garantia de retiradas antecipadas de recursos, acabaram por optar a assinar individualmente com o conglomerado comunicacional. O prejuízo ficou para aqueles que na participavam da entidade e para os que foram retirados das negociações individuais, casos de Guarani, hoje na Série C, e da Portuguesa, atualmente na Série B.

A diferença de valores só aumenta após cada novo contrato. O último dos grupos de pagamento recebe mais que o dobro daqueles que não estão nestes acordos. Além do que, no caso destes, o contrato ser assinado por temporada, enquanto os demais contratualizam por quatro anos, com direito ao recebimento de luvas e até a manter o valor no primeiro ano de disputa de uma possível Série B. À época da renegociação, houve muito debate sobre uma possível “espanholização” do futebol brasileiro, com Flamengo e Corinthians (1º grupo) se distanciando no quanto recebiam em relação aos demais, independente da classificação no torneio – ainda que o campeão receba bem mais, por exemplo, que na Copa “Bridgestone” Libertadores –, cerca de 40 milhões de reais a mais a partir do contrato de 2016.

O segundo ponto diferente está nisso. A Premier League é a associação que negocia os direitos coletivos dos membros da primeira divisão do futebol inglês. O acordo que a criou, em 17 de julho de 1991, estabelecia que o dinheiro oriundo do broadcasting seria dividido da seguinte forma: 50% entre todos os 20 clubes; 25% de acordo com a performance na temporada, com o primeiro recebendo 20 vezes o que o último receberá, e assim por diante; e os demais 25% distribuídos de acordo com a quantidade de jogos exibidos, com um mínimo de 10 partidas para cada clube – outra diferença em relação ao Brasileirão, que não define um número mínimo para exibição, ainda que no caso britânico o produto seja feito para a TV fechada.

Formação de jogadores

Assim, na temporada 2013/2014, o campeão Manchester City não foi o que mais recebeu (96,5 milhões de libras), mas ficou bem perto do que mais recebeu, o segundo colocado Liverpool (97,5 milhões de libras). A diferença é explicada pela quantidade de partidas mostradas. Apesar de o torneio ter tido 25 mudanças de líder, o Liverpool tem uma história maior que o rival de Manchester, com 18 títulos ingleses, 5 títulos europeus e com o apelo de não vencer um título nacional há 24 anos; enquanto o City chegou ao seu quarto título inglês, o segundo após ter sido comprado por um proprietário árabe. O último colocado, o Cardiff City, recebeu 62 milhões de libras, 63,5% do que recebeu o Liverpool.

Esta divisão leva em consideração as idiossincrasias do produto direitos de transmissão. Em primeiro lugar, é essencial a negociação coletiva por se tratar de um esporte. É mais fácil contratar os direitos coletivos do que negociar individualmente, o que poderia gerar o risco de ter uma partida com clubes cujos direitos pertencem a empresas diferentes. Além disso, uma melhor divisão dos lucros pode permitir um maior equilíbrio dentro de campo, pois todos terão condições parecidas de investimento – ainda que tendo que levar em consideração os donos bilionários e os patrocínios gigantescos atuais. Quanto mais equilibrado o torneio, maior o interesse do público. Esta edição da Premier League, por exemplo, teve 95,7% de taxa de ocupação, um recorde.

Por fim, como já é uma prática na Europa, a venda do campeonato inglês é feita através de diferentes pacotes (6), contando com o programa com os melhores momentos, e além das vendas para o mercado internacional (mais de 200 países compram o direito de exibir este campeonato). A BskyB (News Corp), através do Sky Sports, desde o início é a principal exibidora, mostrando, a partir do contrato de 2013 a 2016, 116 jogos por temporada, desembolsando 762 milhões de libras por temporada; enquanto a Britsh Telecom (BT) pagará 246 milhões de euros para transmitir 38 partidas, quase o mesmo valor por partida que a Sky Sports paga.

Esta prática se deu após consecutivas ações em tribunais de defesa de concorrência a partir da década de 1990, quando as novas empresas de comunicação europeias, beneficiadas com o fim do monopólio estatal da década anterior, perceberam a importância do produto futebol e passaram a lutar pelos direitos de exibição dos campeonatos. Como resultado de sucessivos julgamentos e consultas, os principais torneios de lá oferecem pacotes diferentes. Por exemplo, a Champions League (campeonato europeu de clubes) é transmitida em TV aberta aqui no Brasil por Rede Globo (jogos de quarta) e TV Esporte Interativo (jogos de terça).

No caso da Premier League, o contrato com a BSkyB foi alvo de processo no Tribunal de Práticas Restritivas em 1999, sob acusação de cartel, que acabou não sendo provado, daí as negociações terem seguido até hoje. Aqui, ação parecida durou 13 anos e foi inédita, mas não gerou um histórico de sugestões para novos casos, até mesmo pela estrutura centralizada do mercado de comunicação como um todo, liderado pelas Organizações Globo.

É importante recordar ainda quanto a modelos diferenciados, o que existia na Eridivisie, liga que organiza a primeira divisão holandesa. Até a temporada 2012/2013, o Eridivisie Live era um canal gerido pela associação de clubes, pago, para a transmissão de todos os jogos do torneio. Entretanto, a Nesw Corp comprou 51% dos direitos de exibição para 12 anos do torneio em 2011.

Para terminar com as comparações, a Premier League se preocupa com áreas centrais de formação de jogadores – até mesmo porque os seus clubes contratam muitos estrangeiros... Junto à informação da divisão do bolo do broadcasting, a associação anunciou que em 2013 foram colocados em atividade 52 campos com grama artificial em todo o país, além de apoiar campeonatos com jovens, caso da Premier League sub-16, que envolveu 700 escolas. Algo bem distante dos investimentos de federações, confederações e clubes de futebol no Brasil.
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Texto publicado na edição de nº 799 do Observatório da Imprensa

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