domingo, 14 de abril de 2013

Entre uma ostra e outra, muito satisfeita, ela publicou

Para algumas pessoas, parece fácil. Sai, conversa com um, com outro, escreve, publica e pronto. Respostas que se queria obter e texto como previamente imaginado. Outros, sem contato com a atividade, questionam o porquê de parecerem serem os mesmos assuntos no jornalismo. A fuga da prática profissional destas duas perspectivas é um grande desafio. 

Pode até existir formato para enquadrar um texto jornalístico, mas para fazer da história contada algo marcante para o receptor, que gere nele reflexões e questionamentos, não há fórmulas prontas. Livros-reportagens, então, são para poucos profissionais, em meio ao cada vez mais restrito tempo disponível para apuração e, principalmente, para uma escrita de mais fôlego. 

Li recentemente um livro com entrevistas realizadas com jornalistas de renome nacional, casos de Eliane Brum e Laurentino Gomes, e em meio a tantas respostas sobre a prática jornalística, diferentes visões sobre o aprendizado ao longo da atividade, como cada fazer profissional foi se formatando ou pode ser gerado. Mas (ainda) não é sobre este livro que escreverei. 

Já comentei neste blog sobre o Por Trás dos Muros, de Acássia Deliê, que trata de um assunto ainda tabu na sociedade, o ambiente de hospital psiquiátrico, de uma maneira primorosa – tanto que foi merecedora do principal prêmio da graduação em Comunicação do Brasil. 

Na última semana, eu ganhei e li o livro-reportagem Entre uma ostra e outra: histórias de vida de ostreicultores de Alagoas, de Naara Lima Normande. Hoje mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia, o livro é resultado da Especialização em Comunicação Jornalística na Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. 

Uma das coisas que me instiga, ao mesmo tempo por se tratar de uma preocupação profissional, é a necessidade de observação daquilo que de tão perto que está acaba passando despercebido, em meio à rotina que acabamos criando. Grandes histórias que passam elas nossas vidas sem que percebamos a sua importância. 

Naara já conseguira enfrentar este grande desafio na graduação em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, na Universidade Federal de Alagoas, onde escreveu uma grande reportagem como conclusão de curso sobre os estudantes de países africanos que estudavam em Alagoas. 

Desta vez, mesmo com moradia em São Paulo, soube enxergar o assunto no Estado que deixara por um ano, num trabalho com apoio de laboratórios de Biologia da universidade em que se graduou como jornalista. 

Entre uma ostra e outra apresenta as “lamentações, conquistas e sonhos” de mais de 20 ostreicultores que enfrentaram e enfrentam ainda várias dificuldades para a criação deste molusco de uma forma sustentável e, principalmente, tendo transformar a atividade como principal renda de algumas famílias. 

Sobre o propósito do trabalho, ao final da Apresentação, a autora afirma que buscava com aquela reportagem “conhecer e apresentar as condições de vida e de trabalho de pessoas [...] que se dedicam ao cultivo de um alimento tão delicado”, mostrando as contradições de um alimento com glamour no ambiente gastronômico, mas cujas pessoas que trabalham em seu cultivo “sofrem com moradias sem saneamento básico, muitas vezes sem água tratada”, sem o apoio da própria população de seus municípios e do poder público (NORMANDE, 2012, p. 12). 

Somos apresentados ao trabalho e à vida de pessoas de 4 localidades de Alagoas: Ipioca, em Maceió; o povoado Palatéia, na Barra de São Miguel; a Associação Rio Mar, de Barra do Camaragibe; e a Associação dos Ostreicultores de Barreiros de Coruripe (Aobarco), em Coruripe. Ninguém em situação estável, com muitos tendo desistido da atividade e os que restaram tendo que se dedicar a outras fontes de renda, como a pesca e a cata do sururu, para sobreviver. Ainda assim, nas mais variadas condições de trabalho e receita, todas e todos mantendo o sonho de que o cultivo um dia dê certo. 

O livro é dividido em quatro capítulos, cada qual comentando a realidade das pessoas e ampliando o nível das contradições criadas a partir do molusco, a partir de diferentes níveis de sobrevivência em cidades de um mesmo Estado. São eles: Os anjos esquecidos, O paraíso das ostras, Rio Mar e No barco com as ostras. 

A jornalista conta como ponto negativo comum em alguns destes trajetos a presença da ONG Oceanus, responsável por doas mesas e travesseiros para a criação de ostras, mas que faliu em alguns anos. O investimento da Oceanus estava orçado em R$ 1.435.751,00, com maior participação da então Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República-SEAP/PR, futuro Ministério de Pesca e Aquicultura, com uma rede de apoiadores, casos da UFAL, da Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas (Fapeal) e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Alagoas (Sebrae/AL). 

A implantação ocorreu apenas em parte dos municípios – eram 11 as cidades no projeto. O processo criminal seguia quando da publicação do livro, mas o relatório do Controle Interno da Casa Civil da Procuradoria da República já apontava conclusões de que “houve má administração, descaso e desvio dos recursos públicos repassados à Oceanus” (NORMANDE, 2012, p. 18). 

O fechamento da ONG foi um banho de água fria mesmo no caso de maior sucesso relatado no livro. A criação de Palatéia, iniciada apenas por Manoel Cícero das Rocha durante 18 meses a partir de fevereiro de 2003, ficou três anos após a falência com dificuldades, sendo consolidada apenas em 2008, já com a companhia de outras famílias. Segundo Seu Cícero, a solidão só acabou por conta da “compra de um carro Fusca, resultado da venda das ostras”, o que “motivou os outros moradores da comunidade a participarem do cultivo” (NORMANDE, 2012, p. 32). 

O problema com a Oceanus também afetou os criadores de Ipioca, que apesar de estarem na capital de Alagoas, vivem muitas dificuldades para conseguirem receita com a criação de ostras. Se Seu Cícero se orgulha de ser pioneiro no cultivo em Alagoas, dona Benedita Antônio dos Santos, promete defender a todo custo a importância da manutenção do seu grupo. 

Descobrimos na leitura sobre esta comunidade as histórias de dona Célia, que só fora registrada como Maria Zélia da Conceição quando tinha 21 anos, mesmo ano em que o pai falecera. Segundo dona Célia, o pai era uma pessoa muito boa e a visitara após morrer para avisar que uma pessoa sofre até o fim da vida. Para ela, “a única possibilidade de mudança seria a companhia de um turista bonito e rico pra levá-la embora de Alagoas” (NORMANDE, 2012, p. 22). 

Outro grande problema enfrentado pelos ostreicultores alagoanos aparece no capítulo final do livro-reportagem. Nele, Naara fala sobre a Unidade de Beneficiamento de Moluscos, responsável por depurar o molusco “por um sistema de ultravioleta (UV), [...] sem alteração nenhuma de seu sabor” (NORMANDE, 2012, p. 68), que estava sendo implantada em Coruripe, região que sempre sofreu com o tamanho da ostra, 2cm menor que o comprado pelo mercado. 

A depuradora foi montada a partir de parceria conquistada pelo SEBRAE-AL, responsável por vários cursos e orientações para os ostreicultores, com a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Este caso, em que alguns dos responsáveis pelo espaço foram indicados pela associação de ostreicultores da cidade, há o medo de que aquilo vire um elefante branco, além da demissão dos familiares indicados para trabalhar no local. 

É importante frisar que apesar do patrocínio do SEBRAE-AL à publicação, a jornalista não poupa o representante da entidade de questões sobre as dificuldades dos ostreicultores e as responsabilidades frente à depuradora. Não esquecendo a quem se deve pensar na hora de fazer o texto jornalístico, ainda mais quando esta proposta está esclarecida já no início. 


Para não me alongar muito, deixo como crítica o fato de o livro ter várias fotos para ilustrar os trechos dele, porém, com exceção da que ilustra a capa, todas elas aparecem em preto e branco, o que acaba por prejudicar a apreensão das mesmas – caso de “a família de ostreicultores”, na página 60. Como sugestão, até porque sabemos que isso ocorreu por restrições financeiras para a publicação em cores destas imagens, colocá-las na internet ou, melhor ainda, realizar mostras nas comunidades em que as pessoas foram ouvidas para a reportagem. A apreensão da narrativa se completa com as imagens, que também podem gerar uma história em particular quando consideradas em separado ao texto. 

Publicado pela EDUFAL em 2012, Entre uma ostra e outra: histórias de vida dos ostreicultores de Alagoas, assim como tantos excelentes livros-reportagens de jornalistas respeitados no Brasil, merece ser lido pelos estudantes de Jornalismo, especialmente nas universidades de Alagoas – da mesma forma que o já comentado, e premiado, Por Trás dos Muros, da jornalista Acássia Deliê. 

Naara Lima Normande prova em seu livro que a esperança por dias melhores num Estado com tantos problemas sociais existe; que a não satisfação seja pela realidade socioeconômica local ou pelas condições de formação acadêmica deve instigar novas e melhores buscas, ainda que trabalhosas. Cabe agora seguir estas histórias, pessoas e coletivas, principalmente quando no meio disso há problemas em que o dinheiro público foi mal utilizado. 

Se não há fórmulas para o fazer jornalístico, há o aprendizado com histórias das pessoas ditas “comuns”, que são muitas vezes invisibilizadas, e com os excelentes relatos sobre estas. 

REFERÊNCIA 
NORMANDE, Naara Lima. Entre uma ostra e outra: histórias de vida dos ostreicultores de Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2012.

* Uma versão um pouco menor deste texto foi publicada no Observatório da Imprensa.

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