sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

[Por Trás do Gol] Quem ganha com a Copa?

No sábado passado estive no Morro Santana, "bairro" de Porto Alegre - oficialmente não emancipado, por isso as aspas - para participar de uma transmissão especial entre as rádios comunitárias A Voz do Morro (local) e Quilombo (Restinga). O tema era bem claro: "Quem ganha com a Copa?"

Em meio a um dia inteiro de chuva em boa parte do Rio Grande do Sul, infelizmente a transmissão para o pessoal da Restinga teve problemas, porque não estavam conseguindo conectar à Internet - cadê um PNBL efetivo? Mesmo no Morro Santana, fomos interrompidos por três vezes por conta de quedas de energia...

Só aqui, antes de apontar quaisquer pontos de discussão que tivemos com companheiros de ambas rádios comunitárias, com direito à participação de alguém que foi removido de onde morava, já demonstra um pouco dos graves problemas sociais que a "6ª economia mundial" convive. 

Em tempos de tantos propagadores da "imensa" liberdade de dispor e adquirir informação adquirida por conta da Internet, há aqueles que sofrem por não ter acesso à banda larga, mesmo que possam pagar (caro) por ela, e os que não poderiam pagar por uma que funcione realmente - 3G não conta. 

Além disso, problemas de distribuição elétrica são bem mais comuns que se imagina - Alagoas que o diga. Basta uma chuva com vento razoável e o sistema não aguenta. Locais periféricos então...

ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES
Optou-se como guia para as discussões a leitura de alguns textos, de algumas fontes diferentes, sobre a realização da Copa do Mundo FIFA 2014, aqui no Brasil. Não estranhe, aqui damos o nome aos bois e a Copa é deles - ai de nós se não colocarmos a alcunha registrada...

Esse é o primeiro ponto de uma lista de "erros" apontados por Leandro Franklin Gorsdorf e Thiago A. P. Hoshino no texto "A Lei Geral dos interesses particulares", publicada na revista Le Monde Diplomatique Brasil de novembro do ano passado - que eu já tinha lido. Em suma, a FIFA recebe proteção de propriedade industrial que empresa alguma jamais recebeu no Brasil, inclusive o nome das cidades-sede e o numeral 2014.

Pois é, em tempos de ameças via SOPA e PIPA de que os usos da Internet sejam vigiados e (quase todos) punidos, uma entidade de fins privados pode fazer com que se puna - e de forma rápida, já que tende-se a criar juizados "especiais" para funcionar só para o evento - desde quem faça réplicas de qualquer coisa com o símbolo da FIFA (mascotes, (horrível) logo da Copa,...) a quem não colocar um ® até após o nome de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília!!! Até o 2014 seria registrado!!!

"Ainda bem" (ironia mode on) que uma mente qualquer do Congresso propôs que durante o período do torneio não se tenha aulas. Já pensou, como assinar a prova sem o ano em que está, ou qualquer outro documento que exija isso?

Outro ponto da Lei Geral, que teve rápida discussão, foi sobre a exclusividade na posse dos direitos de transmissão do evento, seja em tempos de imagem, som ou audiovisual. Num país que há garantia da liberdade de expressão, não se poderá mostrar (ou emitir sons) nada sobre um evento deste porte, a não ser que pague os milhões que a FIFA pede. Como a nossa (?) Lei obriga o repasse, a Globo fará depois de algumas horas, cerca de 3% dos jogos.

Outra preocupação, que gerou grandes problemas na África do Sul, é a criação de áreas de restrições comerciais. Ou seja, para aquela pessoa que tem há décadas um pequeno restaurante nas proximidades do Maracanã, que vive daquilo, só tem duas escolhas: ou vende tudo de marcas parceiras da FIFA ou fecha durante um mês! Viva os M..., as cervejas B... e tudo o mais em detrimento do "espetinho de gato"... A história de aumento de vendas com turistas por conta do evento, ajudando a economia informal... Desse jeito, percamos as esperanças. 

Nada de loiras holandesas fazendo propaganda "pirata" de cerveja dentro de estádios, ou paraguaias com celulares entre os seios. E falando nesta bebida, ela voltará aos estádios brasileiros. Ao contrário do que algumas pessoas dizem, não há uma proibição legal para isso, o que existe é um acordo entre Ministério Público Federal e CBF para que elas não possam ser vendidas, para evitar possíveis tumultos. Por isso que o Governo federal empurrou a questão para os Estados. E aí sim há problema. Já que das doze prováveis sedes, só o Paraná não tem lei estadual sobre o assunto - e nem qualquer outro que impeça os "pedidos" da FIFA.

DINHEIRO, PARA QUEM?
Quando se fala em Copa do Mundo FIFA 2014 logo se lembra dos vultosos gastos públicos (empréstimos do BNDES ou não) para o evento. Com tamanha vontade, realmente daria para tirar da gaveta aqueles projetos de urbanização que estão guardados há décadas? E escolas, hospitais, áreas de lazer,...?

Tudo bem, sem tal evento, esta quantia de dinheiro jamais seria gasta em qualquer coisa. A verdade é essa. Mas o que realmente ficará para o Brasil enquanto legado? Tirando o caso de Barcelona, que após as Olimpíadas de 1992 teve um boom turísticos e de qualidade de vida, as outras cidades naufragaram num mar de dívidas. Vide as críticas realidades de Portugal (Euro 2004) e Grécio (Olimpíadas 2004).

Para além disso, a ideia genial de ter como sedes cidades sem público de futebol, casos de Cuiabá (em detrimento a Goiás), Manaus (em detrimento a Belém) e Brasília deixa a quase certeza de que elefantes brancos surgirão. Na África do Sul, um ano após a Copa FIFA apenas dois estádios, dos oito construídos, conseguiram manter seus custos...

Pelo menos as empreiteiras, quatro ou cinco que dividem todas as grandes obras locais - e internacionais com profissionais brasileiros, caso do continente africano - estão rindo à toa. Porto Alegre é o maior exemplo disso. O Sport Club Internacional planejou fazer a reforma do Beira-Rio com recursos próprios, mas foi "forçado" a fazer uma parceria vampiresca com uma destas empresas - dizem, por definição e divisão da FIFA.

(Sem falar no estouro de orçamentos "rotineiros" no Brasil, como o de 10 vezes no Pan-Americano do Rio de Janeiro, em 2007).

O preço dos ingressos, então... Os mais baratos, o do grupo 4, custarão US$ 25 (cerca de 40 reais). Esse valor também serviria para estudantes e idosos, de forma a cumprir com legislações vigentes - no caso o Estatuto do Idoso e as leis estaduais sobre direitos estudantis, ou não, já que a suprema entidade não quer tanto. E isso só para a primeira fase. Depois...

REMOÇÕES
Uma das maiores preocupações de partidos e movimentos sociais são as remoções por conta do evento. Várias associações Brasil a fora estão formadas para tentar impedir que isso ocorra, mas está bem difícil. Em Itaquera, por exemplo, já derrubaram algumas casas. As que sobraram estão com paredes tortas e a quantidade de insetos e animais peçonhentos é muito grande.

Tivemos a oportunidade de contar alguém que saiu de uma das regiões próximas ao Centro de Porto Alegre e foi mandado para o Morro Santana, numa viagem de 30 a 40 minutos de ônibus. Pelo que ele informou, da comunidade do "Chocolatão", 20% a 30% das pessoas estariam descontentes, já que acostumados a casas ou barracos, os apartamentos são ainda menores, com pouco espaço externo. Ainda mais para quem tem uma família com mais de quatro pessoas.

Segundo ele, por ser área federal, a prefeitura recebeu muita pressão para tirarem-nos de lá e por isso que, provavelmente, não se pensou em realizar uma urbanização do local, construindo casas ali mesmo.

Anos atrás, neste processo denominado pelos companheiros como "higienização" - como ocorreu no Rio de Janeiro no início do século passado -, o chamado camelódromo, no centro de Porto Alegre foi deslocado para uma área fechada. Muitas pessoas tiveram que pagar um "aluguel" para trabalhar e desistiram do negócio. Além disso, só alguns se beneficiaram pela ocupação de um lugar mais atrativo neste novo espaço.

QUEM GANHA COM A COPA?
Longe de ser como amigos e jornalistas que tratam sobre futebol de forma crítica, sinceramente não desejo que ocorra um novo "Maracanazo". Não vejo que uma derrota da Seleção, aparentemente bem provável e sem pisar no Maracanã - que só receberá o Brasil numa possível final -, vá criar uma discussão sobre a estrutura política do futebol brasileiro.

Sou apaixonado por esportes, ainda mais por futebol, e escolhi há fazer jornalismo principalmente por conta desse assunto. Dizer que não bateu uma alegria por conta da possibilidade de ver eventos como Copa do Mundo de futebol e Jogos Olímpicos aqui no Brasil seria mentira. Porém, o lado crítico não me permitiu e não me permite fechar os olhos para tantos graves problemas em torno do assunto.

Para quem chegou até aqui, eu pergunto: "Para você, quem ganha com a Copa do Mundo?"

Ouça parte da discussão:


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