quarta-feira, 3 de março de 2010

Um time, um país (Invictus)


Um filme sobre a África do Sul no ano que o país realizará um dos maiores eventos esportivos do mundo. Um filme com uma história de redenção através do esporte. Um filme sobre como um país pode se reerguer após um período sombrio. Acrescente a estes fatores, um personagem histórico quase "santificado", Nelson Mandella, feito por Morgan Freeman.

Como fazer um filme com um esporte como base ser bom e ter sucesso de crítica e de público, mesmo sabendo do seu final? Como fugir do simples de uma história real que o mundo todo aprecia por ter como protagonista uma das poucas personalidades reverenciadas por quase todos os lados?

Esse foi o desafio do diretor Clint Eastwood. Tentar fugir de aspectos banais que cercam os filmes esportivos ou, para este caso, cair numa santificação da imagem de Mandela, o homem que fugiu de uma possível vingança após anos de subordinação e prisão para tentar unir um país.

Antes de qualquer coisa vou logo avisando que alguém apaixonado por esportes, independentemente de quais sejam, como eu não poderia ter outra reação do que a que vi na sessão de cinema. E, provavelmente, o fato de ter achado Invictus um dos melhores filmes que eu já tive a possibilidade de assistir derive disso.

Se em O Ano em que meus pais saíram de férias (2006, Cao Hamburguer) eu saí feliz por ter visto um filme que soube mostrar a relação do futebol num período difícil da vida sócio-política brasileira, com todas as referências do mesmo como "ópio do povo" e de como o esporte pode unir muitos; no filme sobre a África do Sul pós-apartheid, o esporte foi visto como a mostra de como se pode romper com preconceitos em busca de um mesmo objetivo.

AULA DE HISTÓRIA
Confesso que apesar de ter ouvido falar sobre o período do apartheid na África do Sul, ter ouvido mais ainda sobre Nelson Mandela, percebi que pouco conhecia do processo de transição ocorrido na década de 90, o quanto era difícil administrar o otimismo dos negros e o pessimismo dos afrikaners, ambos exagerados.

Após ficar preso por 27 anos, Nelson Mandela, líder do movimento contrário à situação de divisão de acordo com a cor da pele, é solto e a esperança dos negros sul-africanos renasce. Além disso, com, pela primeira vez, a oportunidade de votarem nas eleições de 1994, com o ex-preso como candidato, viram em Mandela o homem que poderiam resgatá-los do ostracismo e da pobreza que os descendentes de ingleses os relegaram.

Só que a eleição foi só o primeiro passo. A maioria de seus seguidores desejava a vingança, menos ele, que mostrou que queria a união do país ao manter os empregados administrativos do período anterior - que já arrumavam suas coisas para ir embora. Dentre eles, estavam os antigos seguranças, que treinaram em locais que serviam para formar policiais de segurança nacional que prendiam os negros. É na segurança pessoal do presidente que se vê as diferenças existentes entre as duas partes da África do Sul e o quão elas vão mudando ao longo do tempo.

E essas diferenças são trazidas até o público na primeira cena do filme. De um lado, crianças jogam futebol. Elas são negras, pobres, roupas rasgadas, atuando no que chamamos aqui no Brasil de "terrão". Do outro lado da rua, com cercas para fazer "proteção", estão jovens brancos, num bonito gramado, com uma bola oval e roupas em perfeito estado para jogar o rúgbi.

Na África do Sul, o futebol era/é o esporte para negros e o rúgbi o esporte para brancos. Daí que ainda hoje, na seleção que disputará o Mundial em casa este ano, há apenas um branco, o zagueiro Boo, que faz a torcida entrar em delírio nas partidas; e na seleção do país de rúgbi, os Springboks, só existisse um negro, Chester.

"Madiba", como era chamado Mandela pelos negros por ser o nome de família, tinha que enfrentar um país recém aberto para outros após o fim das sanções da ONU. O que significava a busca por ajuda e parcerias financeiras e industriais de outros países (dos Estados Unidos à China). Com crise econômica visível num país já bem pobre, os jornais já circulavam citando o fim da "lua-de-mel do presidente".

No ano seguinte haveria a Copa do Mundo de Rúgbi na África do Sul. A expectativa, segundo os amistosos realizados com outros países, era um vexame, no máximo chegar até às quartas-de-final. O capitão do time, François Pienaar recebia pressão por resultados e ficou bem perto de ser tirado do cargo.

A SOLUÇÃO
Enquanto todos esperavam soluções para os problemas socioeconômicos do país, Mandela resolveu apostar no esporte como meio de unir o povo sul-africano. Uma das suas primeiras ações sobre isso foi conhecer o rúgbi com profundidade, já que antes só sabia que tinha que torcer contra os afrikaners, no esporte "deles", e do jeito que sempre foi - roupas verde e dourado e nome Springboks.

A união entre Pienaar e Mandela, selada a partir de um jantar, representava o que poderia acontecer no país. Os dois eram pressionados até mesmo pela própria família. Enquanto o capitão morava numa casa que mantinha uma emprega negra como escrava; o presidente via a sua filha se afastar por suas decisões não vingativas.

O presidente cria a campanha "One team. One country" como forma de propagar o esporte e garantir a confiança da população. Os jogadores chegaram até a dar aulas de rúgbi para crianças nas regiões pobres da África do Sul, que até então renegavam o esporte. Imaginam nossas "estrelas" de futebol jogando nas favelas do Brasil?

Uma criança especificamente representa bem essa virada de "mentalidade", por assim dizer. Numa cena, uma mulher branca entrega roupas para crianças pobres e a última camisa que sobra é a dos Springboks. A senhora diz que ele teve sorte e ele não quer a camisa. Ao longo do filme o menino treina com a seleção, e faz uma das cenas mais cômicas e engraçadas na surpreendente final do Mundial ao comemorar junto com policiais.

TORNEIO
O time passa por cada adversário na Copa do Mundo e chega na final contra uma também surpreendente Nova Zelândia, que eliminou os favoritos ingleses na semi-final. Os All Blacks fizeram a maior pontuação da história ao vencerem na primeira fase os japoneses com 145 pontos! E possuíam em Lomu o craque que era quase imbatível - junto com a dança dos moari no início de cada partida.

Uma final emocionante, sem os dois times conseguirem fazer pontuações expressivas, com o resultado saindo através de gols - chutes entre as imensas balizas. No tempo normal, um empate por 12 a 12, vindo através de três "pênaltis" de Stransky (AFS) e de Merhtens (NZE) e de um drop goal de cada jogador - jogar a bola coma as mãos e chutar entre as traves.

Na prorrogação, Joel Stransky fez o gol que deu o título e a imensa festa em toda a África do Sul. Como disse Pienaar, não só para os mais de 60 mil presentes no estádio, mas para os mais de 40 milhões de sul-africanos.

Nelson Mandela, vestido com a camisa e o boné do time entregou a taça ao capitão. Como está no pôster do filme: "As pessoas precisavam de um líder. Ele deu a elas um campeão".

+ MAIS
O filme teve algumas falhas, como não mostrar tanto a relação de preconceito "interracial" diferente nasduas famílias, mas não dava tempo para isso. Fora que a intenção, muito bem interpretada por Morgan Freeman, era mostrar o lado "humano", terreno, de Mandela, que tinha seus problemas, mas fazia muito pelo seu "povo".

Outra ponto negativo foi o exagero de ter uma ameaça terrorista no dia da final. Ficou bem desnecessário para o que foi o filme o resultado da suposta ação - algo até bizarro de tão improvável e irreal.

Mas no geral, repito que é um filme sensacional, que valeu a minha tarde de sábado para assisti-lo mesmo que na fileira de trás tivesse um rapaz que ria alto para caramba ou que uma mulher tenha atendido por duas vezes o celular dois cadeiras à direita de mim. Prova de quão bom foi o filme é que as pessoas esperaram até o final dos créditos, já que os mesmos foram acompanhados com fotos tiradas naquele momento histórico.

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