quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

[Por Trás do Gol] A CBF e a transparência no futebol brasileiro


Por conta da Copa do Mundo, resolvi acompanhar mais de perto as ferramentas de comunicação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). No período do mundial, especificamente o Twitter – por motivos de pesquisa acadêmica –, mas depois acabei me inscrevendo na newsletter do site. Interessante ver o quanto o teor dos conteúdos foram mudando.

Assim que José Maria Marín assumiu o cargo de presidente da CBF após a renúncia, e a ida a Miami, de Ricardo Teixeira em março de 2012, quem acompanhou nem que fosse por curiosidade os sites da entidade e de suas afiliadas estaduais facilmente perceberia que as páginas na web viraram locais para falar sobre as viagens e atividades de Marín, diminuindo o espaço sobre o futebol.

Se o ex-deputado estadual pela Arena em São Paulo viajava para qualquer Estado do país para visitar qualquer presidente de federação ou recebia a visita, aparecia na primeira página do site da CBF qualquer coisa sobre. Coisas fúteis, que seguem ganhando atenção. Não só lá. Pelo que via no site da Federação Alagoana de Futebol, aparecia por aqui também com destaque no banner mesmo que nada tivesse a ver com Alagoas.

O título da Copa das Confederações em 2013 deu mais ânimo a Marín. O discurso do “melhor futebol do mundo” só crescia, diminuíram as críticas ao histórico ligado aos militares – e, mais especificamente parte da responsabilidade sobre o assassinato do jornalista Wladimir Herzog na década de 1970 – e até os problemas de administração da CBF.

No meio do caminho, nova espetacularização da preparação da Seleção brasileira para uma Copa. Diferente de 2006, o show nem foi tão aberto, mas permitiu-se que helicóptero com Luciano Huck parasse treino. Se os benefícios à Globo reapareceram, foi a vez da CBF TV abrir ainda mais a concentração. De produção terceirizada, esta virou um dos alvos após o fatídico 7 a 1 nas semifinais. Para além da exposição, relações escusas para a escolha da empresa – para variar...

MUDAR...

Eis que mudar o futebol brasileiro virou palavra de ordem. A pressão por mudanças cresceu, mas na prática pouco significou. Quer dizer, parafraseando o Vampeta, a não ser que a CBF esteja fingindo que está mudando – com a volta de Dunga como técnico, e Gilmar Rinaldi, ex-empresário, no comando do futebol – e nós finjamos que acreditamos.

O conteúdo das matérias mudou. Menos de Marín ou de seu sucessor, o “galã” Marco Polo Del Nero. As notícias da assessoria são sobre processo de transparência. Primeiro foi a antecipação para maio no Brasil da decisão da FIFA de investidores não possuírem direitos econômicos de jogadores.

Deste início de ano, houve também esta, que eu opto copiar o título e comentar mais a fundo: “Inovações da CBF darão mais transparência ao futebol brasileiro”. O texto não cita o Bom Senso Futebol Clube e a iniciativa de discutir melhores condições de trabalho, independente de nível do clube. A discussão que está emperrada no Congresso Nacional sobre as exigências de pagamento dos clubes só aparece ao final, na torcida para que saia – algo que no ano passado foi trocado pelo refinanciamento das dívidas dos clubes, praticamente sem quaisquer obrigações. Nem mesmo o fair play financeiro existente na Europa há anos apareceu como modelo-base. Só pelo título percebe-se que é a CBF que resolveu puxar essas discussões, do nada. Vamos o que diz o texto:

“O novo Regulamento Geral das Competições da CBF, versão 2015, com seu caráter inovador, abre o caminho para uma profunda renovação em nosso futebol, ao dispor que ‘a CBF publicará, através dos regulamentos específicos de competições ou resolução da Presidência, normas sobre fair play (jogo limpo) financeiro e trabalhista, que estabeleçam requisitos e responsabilidades, visando ao saneamento fiscal e financeiro dos clubes, que ficarão obrigados a cumpri-las, sob pena de sofrerem as pertinentes penalidades desportivas’”.

COMO E QUEM MUDA?

O cenário local mostra o boom da bolha dos super salários, gerados nos últimos anos pelo bom momento do Real em relação às outras moedas estrangeiras. Se a diferença com os países sul-americanos segue visível, a crise econômica na Europa ajudou a criar a sensação de que poderíamos ter Seedorfs, Ronaldinhos, Robinhos e Kakás, ainda que em momentos instáveis das carreiras.

Vivemos um 2015 com a maioria dos times fechando os cofres e querendo se livrar de quaisquer jogadores mais caros. Mesmo Cruzeiro e Atlético-MG, sensações dos últimos anos com títulos brasileiros e sul-americanos, foram obrigados pelas circunstâncias financeiras a vender peças como Ricardo Goulart e Diego Tardelli. Isso para não citar os graves casos de Santos e Botafogo, com salários atrasados e um ano sem quaisquer perspectivas melhores. O Santos com jogadores pedindo a rescisão pela justiça, que já vendeu boa parte dos jogadores da base – que acho que poderia torrar o dinheiro de duas gerações de “Meninos da Vila” em 10 anos; e o Botafogo que disputará a Série B e está com pouco dinheiro disponível para gastar este ano, cuja única esperança de futuro parece ser a volta do Engenhão.

Desta forma, a proposta da CBF aparece quando quase todos os clubes grandes e médios do futebol brasileiro estão quebrados. A única exceção é o Palmeiras, cujo presidente emprestou R$ 150 milhões ao time, a ser pago em 15 anos, porque os antecessores tinham antecipado receitas de 2013 e 2014. Mesmo assim, resta ver se a norma de pagamento em dia será cumprida à risca. E o principal: sobrará time para disputar os campeonatos estaduais e nacionais nestas condições?

Os clubes são obrigados também a apresentar as demonstrações financeiras com todas as fontes de receitas sendo descritas. O curioso é que mal conseguimos saber destas informações da própria CBF, mas esta passará a exigir que os clubes o façam. Ou seja, a transparência vale só para os seus subordinados?

Segue um resumo das novas obrigações dos associados da confederação:

“Os clubes serão obrigados a comprovar (i) a regularidade de suas obrigações tributárias; (ii) a existência e autonomia de Conselho Fiscal nas respectivas entidades; (iii) a redução do déficit operacional ou do prejuízo; (iv) o cumprimento de todos os contratos de trabalho e o regular pagamento dos respectivos encargos, de todos os profissionais contratados, mediante a apresentação dos comprovantes de pagamento de salários, de recolhimento de FGTS, de recolhimento das contribuições previdenciárias e de pagamento das obrigações contratuais e quaisquer outras havidas com os atletas e demais funcionários, inclusive direito de imagem, ainda que não guardem relação direta com o salário”.

Destaque para Conselho Fiscal. Quem conhece minimamente os clubes brasileiros, ao menos o seu clube, sabe que quanto mais estruturas decisórias tiver um time, pior é estabelecer uma conjuntura de forças para que a associação cresça. O motivo é simples: quanto mais esferas de poder a ocupar, mais esferas a agradar. E aí o interesse não é o de ajudar o clube, mas de aparecer e até de ganhar mais. Além disso, alguém conhece o Conselho Fiscal da CBF? Caso ele exista, é realmente autônomo?

Pergunta retórica para uma confederação que desde a disputa de 1989 que elegeu Ricardo Teixeira não aparece com um nome alternativo para comandar sua presidência. Mesmo com tantos problemas dos anos Teixeira e da mais nova “crise” do futebol brasileiro devido ao resultado da Copa, não se consegue abrir espaço para um nome que possa realmente fazer as mudanças que são minimamente necessárias para a estrutura da CBF. Quanto aos clubes, há aberturas democráticas aparecendo com a eleição por sócios nos casos de Grêmio, Internacional e, mais recente, do Palmeiras. Ainda assim, o peso dos caciques tradicionais segue enorme.

Há um longo caminho, com muitas batalhas a serem assumidas pelos verdadeiros donos (e prejudicados) dos clubes, os torcedores, para se chegar a algo realmente transparente no “país do futebol”.

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