domingo, 10 de agosto de 2014

"Você é um homem morto"

Nesta semana estreou no GNT a terceira temporada de Sessão de Terapia, a primeira puramente brasileira, após a adaptação das duas temporadas da israelense Be'Tipul. Assim como na versão da HBO, o meu acompanhamento da série foi aos poucos, acompanhando uma ou outra semana todos os dias e abandonando por alguns meses. Por conta disso, só esta semana é que terminei de ver a primeira temporada.

A pessoa que me indicou In Treatment na época do lançamento de Sessão de Terapia temeu que a versão brasileira dirigida por Selton Mello pudesse "estragar" a série. Por sinal, é importante falar que a estrutura base é muito simples, dois consultórios de psicólogos e uma ou outra cena externa. Ações restritas. O principal aqui é ver como o especialista consegue fazer com que os pacientes se perguntem sobre coisas que nunca tiveram coragem para se perguntar. E isso fez o formato ser adquirido por mais de uma dezena de países. Sucesso refletido aqui no Brasil, cuja quarta temporada já estaria encomendada antes mesmo de começar a terceira.

Vou logo avisando que será inevitável para mim realizar comparações com a produção dos Estados Unidos. Além disso, por mais que o que importa nela seja a forma como os diálogos são feitos, não me preocuparei em evitar possíveis spoilers.


Quanto aos atores escolhidos, aqui o que consta na memória de determinada característica deles talvez tenha me atrapalhado um pouco na assimilação de algumas personagens. A reconhecida voz grave de Zecarlos Machado (Theo Cecatto) que na minha opinião, por características da Física, não ajuda muito na hora de demonstrar a emoção (diferenciar a raiva para além de um falar mais alto. Ou a como eu assimilo a beleza da Maria Fernanda Cândido (Júlia) num papel cuja sedução está presente.

Mas também, é preciso que eu diga que a minha impaciência com Paul Weston (IT) até meados da segunda temporada, por demonstrar certa arrogância em alguns momentos, não chegou nem perto na versão brasileira. Hei de dizer que tive mais pena dele do que qualquer outra reação, mesmo nos instantes em que ele chega a ser desrespeitoso com outras pessoas. Assim como a Dora Aguiar de Selma Egrei não me causa tanta estranheza como a Gina de Dianne West.

Claro que a variação de opiniões pode também ter mudado pelas minhas próprias experiências de quando assisti às temporadas de In Treatment para agora. Muitas águas rolaram do lado de cá do moinho, coisas que podem ter me aberto a novas perguntas ou à necessidade de não querer tentar responder àquilo que vinha à cabeça.

Creio que isso é uma das coisas que o final da temporada nos encaminha. Será que todo mundo está preparado para trazer à tona aquilo que geralmente fica no subconsciente? Será interessante deixar a emoção aparecer mesmo nos locais em que mais se sente seguro?


"O que está acontecendo na sua vida, Théo?"
A série mostra uma consulta por dia da semana, cada qual com uma necessidade de perguntas diferente e com o desenvolvimento ao longo dos 45 episódios, e a interferência no psicólogo, de maneiras distintas: a anestesista Júlia (Maria Fernanda Cândido) às segundas; o policial do batalhão especial Breno (Sergio Guizé) às terças; a ginasta Nina (Bianca Müller) às quartas; o casal Ana (Mariana Lima) e João (André Frateschi) às quintas; e a terapia de Theo (Zécarlos Machado) com Dora (Selma Egrei).

Continuo tendo como dias preferidos as sessões de segunda e de quarta. Apesar de gostar também da evolução que Breno apresenta ao longo das semanas, a personagem que consegue fazer com que Theo fuja de sua posição para uma ação mais efetiva. E segui não gostando do casal, inclusive achei a Ana até menos problemática que a Amy de IT, ainda que o casal de lá tenha me parecido mais insuportável.

Em relação às outras adaptações, trocar o oficial do Exército americano que matou uma criança no Iraque por um policial especial do Brasil (Breno) que matou uma criança porque a bala atravessou o corpo do bandido foi uma boa escolha. 

Já a escolha por manter a adolescente como ginasta me gerou momentos de dúvida. Quem conhece um pouco deste esporte sabe que a pressão é enorme desde cedo, que há uma série de restrições ao desenvolvimento da mulher por conta da prática esportiva, porém, como o esporte é entendido nos Estados Unidos e como ele o é aqui, mesmo após os sucessos dos irmãos Hypólito, da Daiane dos Santos, de Jade Barbosa e de Arthur Zanetti. A pressão por alto rendimento é muito maior lá porque há muito mais investimento nisso. De qualquer forma, não sei se teria outro esporte cuja pressão se assemelhe por aqui quando se trata de prática de mulheres desde cedo.

Mesmo conhecendo as histórias, ainda que adaptadas, à forma apresentada é diferente. Há cenas que foram feitas de maneira distinta, além da impressão de ter closes mais fechados na versão brasileira, especialmente com a aproximação do final da temporada. Além disso, uma cena que foi marcante na versão estadunidense, em outro cenário, com externa e com maior participação de parentes de um dos personagens e com a presença de outro paciente, foi trocada por uma gravação no consultório. Perdeu-se o contato maior com a perda que marca o final desta e, especialmente, a temporada seguinte; ganhou para arrefecer a transferência erótica de uma das pacientes, em que Theo responde sem se dar conta que está negando repetir a história do pai.


"E a psicologia não tem nada a me dizer sobre isso?"
Primeira sessão e a pessoa começa a falar quem indicou o psicólogo, o porquê disso. Depois de alguns minutos se dá conta que ele está cochilando no sofá. A revolta viraria paixão, por isso que ela voltou. Ainda que esse seja o primeiro encontro com Júlia, mostrava a situação de Theo até ali. Fazia o trabalho no automático, sem perceber as mudanças que ocorria nas salas ao lado do seu consultório, na sala. Se a filha já tinha crescido; se a esposa não sentia a necessidade de precisar dele; ou se o filho mais novo precisava de mais tempo com ele.

A primeira temporada de Sessão de Terapia mostra a descoberta, onde as perguntas que ele exige que seus pacientes façam aparecem para ele, especialmente com a volta às sessões com a orientadora de outros tempos, Dora, cuja provocação é visível o tempo inteiro, chegando ao ápice no penúltimo encontro, em que a direção das imagens é invertida. A esposa o trai, abrindo espaço para que aflorasse o sentimento de paixão pela jovem que se declarara para ele, ainda que sua paciente.

Como se não bastasse, um policial o provoca o tempo inteiro, fazendo com que ele parta para a agressão - esta também é diferente, mais direta que na versão da HBO. Justo quando pensa ter feito um grande trabalho, uma reviravolta com este personagem o faz ter alucinações e se questionar sobre o tanto que deveria ter interferido nas escolhas alheias.

É importante ressaltar na versão brasileira as cenas que vêm da cabeça de Theo, que chega ao ponto de ver o pai, doente, mas menos falado até então, deitado no sofá de seu consultório em vez do pai de um dos seus pacientes. Além disso, destaque para o episódio em que está apenas com João na terapia, momentos que a relação também parece se inverter, com o questionamento sobre o porquê ele tanto queria que o casal se mantivesse juntos se ambos diziam que não dava mais. Casal este que fora lá para decidir se deveria ou não ter um novo filho após anos de tentativa e a desistência de Ana para se dedicar à carreira de executiva.

Mas a frase que dá título a este texto vem de Júlia, que disse que desde a primeira vez desejara "soprar a vida" dentro dele [se alguém quiser, estou à disposição de receber ofertas assim]. Mas entre idas e vindas, o desenrolar da temporada encaminha um homem em estado vegetativo para uma espécie de morte, cheio de dúvidas sobre a sua profissão e sobre ele mesmo, marcando uma necessária reviravolta em sua vida.

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