domingo, 27 de abril de 2014

[Por Trás do Gol - Comentários] O Bom Senso FC e o fair play financeiro

Em tempos de mídias sociais, há alguns assuntos que, inesperadamente, podem tomar nossa atenção e nos instigar um comentário. Muitas vezes, não há tempo de retomar aquele assunto em particular, de forma mais pensada e melhor descrita. Por conta disso, e até para facilitar futuras buscas, resolvi publicar por aqui alguns comentários que ando fazendo por aí. Espero que não se restrinjam ao futebol, então podem esperar por uma participação mais assídua neste espaço.

E o primeiro tema a ser abordado nem é tão novo assim. Além de viver, infelizmente, um período de recuo, frente à grande atuação no final do ano passado. O Bom Senso FC discutiu no início de abril com representantes da CBF e da Comissão de Clubes a criação do "fair play financeiro" aqui no Brasil, de maneira a garantir o pagamento de salários dos jogadores.

A proposta (ver aqui) é criar uma entidade reguladora, composta por CBF, clubes e Governo federal, que trabalharia em conjunto com uma auditoria externa e poderia contar com R$ 3,5 milhões de investimento, inicialmente bancados pela Confederação.

A pergunta feita a mim era a seguinte: "Anderson Santos, qual o impacto que isso pode ter? Tem algum prognóstico ou arrisca?"


  • É algo que, se aprovado, vai demorar. A Europa entra nesse processo aos poucos e em breve - e com algumas tentativas de burlar o fair play financeiro com patrocínio de empresas dos próprios donos de clubes. Imagina aqui.
  • Anderson Santos Lá, mesmo com a proposta do fair play financeiro aprovada e andando, os jogadores paralisaram rodadas de La Liga e do Calcio, com apoio completo, inclusive com Puyol e Casillas na linha de frente da entrevista coletiva da associação dos jogadores. O Bom Senso F.C. representa todos os jogadores para ter um apoio nesse nível? Os jogadores no Brasil teriam coragem de fazer algo parecido?
  • Anderson Santos Fora que a postura do Marin é ouvir a todos, independente de serem críticos ou não - malufismo mode on. Daí a aplicar é outra coisa. Por fim, auditoria com participação do governo pode levar à interpretação de que há interferência estatal no futebol num futuro, o que é proibido pela FIFA"


Explicando, rapidamente, algumas coisas que citei. O fair play financeiro é um conceito aprovado pela UEFA  (veja mais no site) em setembro de 2009, cujos pontos principais são os seguintes:

- Introduzir mais disciplina e racionalidade nas finanças dos clubes de futebol;
- Diminuir a pressão sobre salários e verbas de transferências e limitar o efeito inflacionário;
- Encorajar os clubes a competir apenas com valores das suas receitas;
- Encorajar investimentos a longo prazo no futebol juvenil e em infraestruturas;
- Proteger a viabilidade a longo prazo do futebol europeu;
- Assegurar que os clubes resolvem os seus problemas financeiros a tempo e horas.
Um Comitê de Controle Financeiro foi criado em 2010 e segue avaliando a saúde financeira dos clubes por temporada, aumentando as obrigações a cada ano. Há um limite de 5 milhões de euros de prejuízo por temporada, mas podem superar este limite até 45 milhões no acumulado do período de análise, desde que os acionistas cubram o prejuízo. Mas há clubes importantes do cenário europeu que estão bem perto de sofrer sanções (ver aqui). Ainda assim, não há expectativa de exclusão de torneios europeus, especialmente pela força de clubes como PSG e City, apenas sanções.

O caso brasileiro é bem diferentes. Como costumo dizer, o futebol representa uma mentalidade arcaica, muito mais do que a da sociedade do país em que está constituída, repleta de preconceitos e maneiras de administrar que mais se confundem com sentimentalismo - e muitos se aproveitam disso. Os jogadores, com raras exceções geralmente citadas, não buscam a melhoria de suas condições de trabalho, mesmo após a Lei Pelé. Não à toa, o Bom Senso FC surgiu por fora da representação classista, as associações de jogadores por não haver sentimento de pertença e representatividade.

Toquei no assunto, vendo possibilidades e problemas lá no início, ainda em abril (ver aqui). E se mudou algo de lá para cá, além de reuniões com a cúpula do futebol brasileiro, o que mostra o intuito de revisão das normas, não de modificação radical, foi para pior, com o assunto saindo da pauta de jogadores - alguns deles saindo do país - e dos meios de comunicação. Assim, continuamos a ver times e atletas atuando por três ou quatro meses no ano e jogadores de grandes clubes sem receber até 3 meses de salário, limite para a saída "automática".

No âmbito gerencial, vimos Marco Polo Del Nero ser candidato único à presidência da CBF apesar das críticas à entidade nacional terem voltado com força nos últimos anos. Nem Sanchéz, nem Ronaldo, nem Carlos Alberto Torres, muito menos Noveletto. Não se conseguiu um nome a se apresentar, ao menos, como oposição numa eleição onde os eleitores são os presidentes de federações e dos clubes da Série A (apenas!).

Por fim, a presença do governo federal para realizar auditoria é algo que pode gerar inúmeros problemas. Quando da CPI Futebol/Nike, após a Copa de 1998, a FIFA ameaçou suspender o Brasil por 2 anos por conta de possível interferência estatal no football association, de sua propriedade. Além disso, a Constituição Federal do Brasil dá independência às associações. Assim, pensar uma presença estatal é algo que pode gerar inúmeros problemas futuros.

Visão pessimista? Talvez. É que sempre se espera mais para se chegar num futuro bem melhor.

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