sábado, 23 de novembro de 2013

A autobiografia do Edson... ops, do Pelé... quer dizer...

Em meio a tanta discussão sobre biografias, pairou nas minhas mãos uma autobiografia. Quer dizer, uma biografia com ghost-writeres, que nem foram tão assim, afinal estão ali indicados os nomes de Orlando Duarte e Alex Bellos. Mais curioso ainda, para uma figura brasileira, é que o título original é "My Autobiography" e que o texto, de brasileiro por ghost-writeres brasileiros, tenha sido traduzido ao português.

Não tinha lido nenhuma autobiografia antes e sou/estou muito pragmático para pensar como alguém fala determinadas coisas tantas vezes, como a o respeito/opção religiosa, defende questões morais de maneira tão firme, objetiva, ao mesmo tempo em que apenas passa por questões mais polêmicas. Conta-se, mas não como gostaríamos ou, diria eu, com alguma contradição por ali.

Enfim, o assunto não são as biografias - que devem sim ser liberadas, com os pesares sendo resolvidos onde se deve. Em meio (também) a uma espiral de caos deste atual momento, li até que rápido uma das autobiografias de Pelé, publicada em 2006 pela Sextante. Uma de tantas que deve existir no mercado editorial mundial, inclusive há uma que estava para sair que é edição para poucos. Gigante, caríssima e com número determinado.


Não vou me deter em analisar pontualmente a biografia, dividida com capítulos de acordo com a vida do Edson Arantes do Nascimento, que recebera este nome por conta do Thomas Edison e que, por conta disso, foi registrado como EDISON (vide acima). Depois é que foi modificando/modificado para o que deveria ser o certo. Enfim, Edson ou Edison, o "Dico", como Dona Celeste o chamava, chegaria a ser Gasolina no início do Santos, Alemão para os jogadores da Seleção em 1958, mas tornaria-se conhecido mesmo como Pelé. Quer dizer, acho até que Pelé é uma marca mundial e para sempre na história, virou mais que um homem, um mito.

Ao final do livro ele usa um exemplo, do seu cartão de crédito - cuja marca é sua patrocinadora pessoal - para afirmar a diferença. De um lado, a edição especial com a assinatura do Pelé, do outro, a assinatura do Edson. Para ele, "o Edson representa as coisas simples: família paz, calma, o interior, pescar, cavalgar, ver os filhos crescerem e desfrutar dos netos" (279). O Pelé foi mantido a base do formol, com o mesmo corte de cabelo e as imagens de arquivo para provarem o quanto foi sensacional.

Mas no meio dessa necessidade de equilíbrio entre os dois, houve momentos de problemas. Enquanto Pelé ganhava dinheiro, ainda que em bem menor proporção que os atletas ganham hoje, Edson confiava demais nas pessoas e várias vezes se viu cheio de dívidas e quase em falência. Dos casos mais controversos, ele chega a citar o amistoso para ajudar a Unicef, muito comentado ainda hoje por seus detratores, já que a tal partida nunca se realizou.


Li algumas vezes e é interessante observar o quanto ele era profissional, pensava como tal, mesmo numa era bastante amadora. Imagina-se naquela época o que devia ser sair de uma cidade do interior (Bauru) para uma litorânea (Santos) com apenas 15 anos para morar embaixo das arquibancadas de um estádio, com a sombra do pai ex-jogador em volta. Além disso, começar praticamente no time profissional, atuando com craques. Mais ainda, atuar pela Seleção Brasileira numa final de Copa do Mundo antes dos 18 anos e marcar um golaço contra os donos da casa!

Ele desenvolveu bem as várias características e possibilidades de jogo treinando com o pai e depois dos treinos. Sabia onde tinha que melhorar e assim o fez. Como diria Carlos Drummond de Andrade, e algo que levo em conta para evitar qualquer comparação dele com outro atleta, “O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé. É fazer um gol como Pelé”. Diria mais: perder um gol como Pelé. Afinal, três deles (chute da intermediária contra a Tchecoslováquia; cabeçada e defesaça de Banks contra a Inglaterra; e finta contra o Uruguai) na Copa de 1970 seguiram e seguirão reverberando em lances como o "gol que Pelé não fez".

Ganhar três títulos mundiais, o de 1970 no auge da forma física, ser assediado pelos mais importantes clubes do mundo e seguir por 18 anos num mesmo time, dois mundiais interclubes e vários outros títulos com o Santos, rodar o mundo, parar guerras e até expulsar o juiz por pressão da torcida, isso é para um único.

No livro há espaço para a sensação dele em cada momento, críticas à preparação/bagunça de 1966 e a defesa do jogo limpo, com agradecimentos aqueles que o defenderam, como os tchecos que o pouparam em 1962 - época em que não se podia substituir - mesmo quando estava machucado, e críticas aos juízes e aos jogadores que esqueciam disso, caso dos portugueses quatro anos depois.

Há também, como já citado, para as rusgas públicas, como contra João Havelange e Ricardo Teixeira na década de 1990, num momento em que a empresa dele queria comprar os direitos de transmissão do Brasileiro (1994) e teria sido pedido uma propina por parte da CBF. Pelé teria acusado a entidade de corrupta numa revista nacional e no texto aparece negando que ela fosse corrupta...

Várias são as críticas aos políticos profissionais e à bancada da bola no período em que foi ministro do Esporte (1995-1998). A Lei Pelé fora aprovada, mas distante do que pretendia - seguindo o modelo da "Lei Bosman", da Europa - sob forte pressão de um Congresso cujos interesses eram claros. Em contrapartida, ele lamenta que os jogadores brasileiros não tivessem o apoiado em momento algum, clamando por maior união - algo que o momento atual pode ser bastante alentador.

A autobiografia também trata da vida pessoal, caso dos casamentos e da relação com filhos e netos, com destaque para o momento da prisão de Edinho por associação ao tráfico de drogas, anos antes da publicação do livro, e que representou um grande baque para alguém que praticamente nunca bebia ou fumava.

Claro que trata-se da "filha bastarda" Sandra Regina. O relato é rápido e mostra que nunca houve interesse. Ela é definida como oriunda de um relacionamento de uma noite, que, por isso, só reconheceria por DNA, e que a filha teria procurado Dona Celeste claramente interessada no dinheiro dele. Algo que no mundo do futebol, quando aparece, especialmente após a morte precoce de Sandra e a não ida de Edson ao enterro, pesa negativamente em sua história.

Os romances das décadas de 1970/1980 também aparecem, com óbvio destaque para o relacionamento de seis anos com Xuxa. Ele explica que a ajudou na carreira, abrindo porta para filmes (aqueles lá que todo mundo sabe que existem...) e até para capas de revista masculina, que o Edson trocara os filmes originais por entrevista exclusiva na década de 1980...

Enfim, até mesmo porque já me estendi bastante, autobiografias parecem ter a falta daquele detalhe que o autor não queria passar, por mais que diga que a vida possa ser um livro aberto. Além disso, há repetições exageradas, lições mesmo, em determinados pontos. Ainda assim, qualquer coisa sobre Pelé, para quem gosta de futebol, merece atenção. (Quer dizer, não aconselho ouvir as músicas, por mais que haja até dobradinhas com Elis Regina no inícios dos anos 1980...).


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