sábado, 18 de agosto de 2012

O senhor com um carrinho de lixo, mais três cachorros e, ao menos, um filho dentro

Ele se aproximava cada vez mais. Opa! Será que não me viu aqui? Um senhor com carrinho de lixo. Mais um dentre tant@s outr@s que ganham a vida num centro de capital. Porém, alguém diferente. Em meio a tantos "Severinos", sempre há de ter algo para te destacar. Afasto-me um pouco do lugar em que estava encostado, mas demoro a sair porque ele parou. Quer dizer, eles.

O senhor com um carrinho catando lixo e mais dois cachorros. Um estava acompanhando o dono a pé, enquanto o outro estava em cima, uma mistura de vira-lata com raceado que o faria facilmente ser pertencente a alguém de classe média, seja lá isso o que for. Quer dizer, eram três, já que outro saiu de dentro, uma espécie de dormitório sob o material a ser trocado por dinheiro.

O senhor com um carrinho catando lixo e mais três cachorros. Quer dizer, ainda tinha mais. Era um senhor que repetia o seu ritual de tirar as coleiras dos cachorros para que desfizessem de seus lixos naturais, como quaisquer um de nós, num espaço reservado. Um pouco de areia acima da linha normal de tráfego das pessoas. Não incomodariam. Só que dentro do carro havia uma pessoa.

Um jovem que não saía do lugar e que despertava a curiosidade de quem passava por perto. O senhor carregava, ao menos, mais um grande filho ali dentro. A redenção do homem, este ser que não pode carregar ninguém dentro de si, desenvolver o que no futuro será uma nova vida, carregando uma vida já com algum passado.

O senhor com um carrinho catando lixo, mais três cachorros e, ao menos, um filho dentro. Já seria curioso por todos esses detalhes. O primeiro cachorro já estava no espaço de areia, era hora do segundo, o de cima. Ele se aproxima e o cão abre os braços como uma pequena criança que quer sair. Um peralta que não parava.

Afastei-me para a frente do carrinho. As pessoas até olhariam como "sempre", ou seja, fingindo que o "outro" não existia, mas este "outro" carregava "outros", e de uma forma diferente. Mas o curioso virou trágico.

O segundo cachorro foi levado para baixo, mas danado que só ele, dava piques, evitando que o senhor com um carrinho de lixo, mais três cachorros e, ao menos, um filho dentro pudesse pegar a coleira e jogá-lo para cima. 

Ele chama o cachorro para perto. O cachorro se aproxima num pique e na mesma velocidade parte para o lado direito. O senhor com um carrinho de lixo, mais três cachorros e, ao menos, um filho dentro grita novamente. Eu vi de frente, como um espectador que optaria por não ser nada privilegiado da cena seguinte.

(Se você for muito emotivo, pare por aqui).

Um terminal rodoviário. O cachorro pulou numa correria para a rua, cheio de felicidade. O sinal estava aberto e um ônibus passava ao lado na mesma hora. Tod@s viram e devem ter torcido para que atravessasse a rua, mas era uma espécie de criança, provavelmente não estava acostumado à liberdade longe dos "responsáveis". 

Ele não atravessou. Seguiu reto, assim como o ônibus, que nem tinha como parar. Veio o som do impacto! A certeza veio quase que automaticamente. Uma senhora na minha frente empalideceu. Só me restou colocar a mão na cabeça e acompanhar o trajeto do senhor com um carrinho catando lixo, mais três cachorros e, ao menos, um filho dentro.

Ele correu para depois do ônibus, falava sozinho mais que xingava. "Mexesse com tudo, mas com um cachorro, com um cachorro!". 

Não parou de repetir isso. Quando aproximou-se, ainda deu para o cão mexer um pouco o rabo de felicidade pela aproximação do dono. O rabo baixou. O senhor com um carrinho catando lixo, mais três cachorros e, ao menos, um filho dentro puxou o cachorro pelas duas patas dianteiras e pelas duas traseiras. Dizia algo como "vou levar".

Passou novamente na minha frente com algo que não sai da minha cabeça até agora. A figurinha que corria alegre não demonstrava nenhum sinal de vida, com a cabeça balançando ao léu. O corpo ficou no espaço de areia, sem qualquer sinal de respiração. A vida já tinha ido, não adiantava ninguém se aproximar.

O senhor com um carrinho catando lixo, ao menos, um filho dentro, agora só seguia com outros dois cachorros, que o acompanhavam em seu árduo trabalho ao lado.

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