segunda-feira, 16 de julho de 2012

[Baú do Por Trás do Gol] O pesadelo de Flávio Costa

33 minutos do segundo tempo. A bola rola no Maracanã, a torcida explode em alegria com o empate que dá o título para o escrete nacional. As nossas potencialidades chegando ao ápice no esporte inventado pelos ingleses, num confronto que é histórico, já que do outro lado temos a seleção bicampeã olímpica e campeã do primeiro Mundial. Ouça as vozes de mais de 200 mil pessoas, que lotam como nunca um estádio de futebol...

Opa. Olha a correria do ponta-esquerda uruguaio na lateral...

- Vale lembrar que foi de uma jogada assim, com cruzamento dele para a área, que saiu o primeiro do Uruguai.

Não vai ser desta vez. Ghiggia continua correndo, Bigode já ficou para trás... Não é possível... Ele chegou na nossa área! Corta Juvenal! Defende Barbosa! Não, não pode ser. Gool do Uruguai, Ghiggia!

(Segundos de silêncio, o narrador não acredita no que vê e no que não ouve. O Maracanã está calado. No banco, Flávio Costa está atônito, como se tivesse visto aquilo antes)...

POOOOM! POOOOM! POOOOM!

15 de julho de 1950. Num dos quartos do alojamento no Estádio São Januário, Flávio Costa, técnico do escrete brasileiro, acorda suado e quase pulando da cama após ouvir as buzinas das indústrias ao redor. Assustado com o pesadelo que acaba de ter justamente na véspera da final da Copa do Mundo, fala de forma ofegante e repetitiva:

- Isso não pode acontecer! Isso não vai acontecer! Isso não pode acontecer! Isso não vai acontecer!... – e repete esta espécie de mantra até chegar ao banheiro.

Após jogar água no rosto, pensa: “Calma, Flávio, só foi um pesadelo, não quer dizer nada. Mas e se quiser? Por via das dúvidas, tenho que fazer algo”.

O técnico resolve não falar sobre a péssima noite para não assustar os jogadores e nem para ser zoado pela turma. Nos treinos, observa cada jogador e resolve chamar em particular o trio Bigode, Juvenal e Barbosa. Os demais jogadores acham estranho. Desde o ínicio do dia, ele mal falara algo, a não ser “Vamos lá”, apontando ao campo.

- Eu quero que vocês tenham cuidado com um jogador em particular.

- Quem, treinador? Não precisa disso, nós jogamos e ganhamos deles no ano passado. Não precisa disso – disse-lhe o zagueiro Juvenal, encarando os outros dois companheiros – Vocês também não acham? Ele quer ensinar padre a rezar missa!

- Me escutem! Esse jogo será especial. Se ganharmos, veremos a alegria de muita gente, teremos tudo o que jamais imaginamos. Mas se perdermos, seremos protagonistas de uma cena jamais vista no futebol mundial!

- Que é isso? Não vem com essa, o título vai ser nosso – afirmava Barbosa.

- Bigode, sabe o ponta-direita do Uruguai?

- O Ghiggia?

- Sim. Peço para que não dê sossego a ele.

- Vai ser fácil!

- Quanto a vocês dois. Juvenal fique alerta quanto à cobertura. E, Barbosa, não deixe passar nada!

Depois do treino, mais uma tarde para atender os políticos e a preparação para o dia que colocaria todo mundo na história do Brasil. Mais uma noite de sono para acordar bem. Estaria precavido para o dia seguinte.

16 de julho de 1950. Ida mais cedo ao estádio e o mantra repetido inúmeras vezes na cabeça (- Isso não pode acontecer! Isso não vai acontecer!...).

No vestiário, Flávio Costa repete o pedido a Bigode:

- Não dê sossego ao ponta-esquerda deles. Não esqueça disso! Nem que saia expulso caso precise tirá-lo de campo.

- Sim, senhor.

- Barbosa, conhece o ditado que “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”? Ninguém repete uma jogada na mesma partida. Não se engane!

Barbosa entrou em campo pensando naquilo, afinal o que tinha a ver o tal ditado com a partida?

Primeiro tempo, mais de 200 mil torcedores presentes, todos viram um zero a zero. Empate daria título ao Brasil. No segundo tempo...

E lá vai o Brasil para o ataque. Friaça recebe a bola e marca! GOOOOOOOOOOOOOLLLLLL!!!! Do Brasiiiiillllll!!! Ninguém nos tira a taça! Ninguém nos tira a taça!

Flávio Costa vibra, mas aproveita para avisar a Bigode: “fique colado nele!” O barulho era tão grande que mesmo passando ao lado dava para alguém escutar.

E o tempo não passa! 21 minutos do segundo tempo, um pouco mais de calma, torcida brasileira. Mas quem vem com a bola é Ghiggia pela ponta-esquerda. Bigode colado nele. Ghiggia cruza voltando para Schiaffino (“Não Bigode, disse para fazer qualquer coisa!”), Schiaffino bate, é goooll do Uruguai, Schiaffino. Sem chances para Barbosa!
[...]
33 minutos! A bola rola no Maracanã, a torcida explode em alegria com o empate que dá o título para o escrete nacional. As nossas potencialidades chegando ao ápice no esporte inventado pelos ingleses, num confronto que é histórico, já que do outro lado temos a seleção bicampeã olímpica e campeã do primeiro Mundial. Ouça as vozes de mais de 200 mil pessoas, que lotam como nunca um estádio de futebol...

Opa. Olha a correria do ponta-direita uruguaio na lateral-esquerda...

- Vale lembrar que foi de uma jogada assim, com cruzamento dele para a área, que saiu o primeiro do Uruguai.

Não vai ser desta vez. Ghiggia continua correndo, Bigode marca junto. Ih, Ghiggia consegue passar da falta.... Não é possível... Ele chegou na nossa área! Corta Juvenal! Defende Barbosa! (“Lembra, Barbosa! Lembra, Barbosa!”) BAR-BO-SA!!!! BAR-BO-SA!!!! BAR-BO-SA!!! O estádio inteiro grita o seu nome. É a defesa do título!!!

Flávio Costa comemora bastante no banco, aos olhos de Nilton Santos, que volta correndo do vestiário após ouvir os gritos ensurdecedores da torcida.

46 minutos. O juiz pode acabar a qualquer momento. Eu avisei! O título ficará no Brasil. Esta festa foi preparada para nós, tem que ser para nós.

PRRRRRRRIIIIII
ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉEÉÉÉÉÉÉÉÉÉ!!!! CAMPEÃO!!! CAMPEÃO!!! Muita emoção no Maracanã! Crianças, jovens, homens e mulheres não se cansam de chorar, se abraçar, pular! O Brasil inteiro emocionado com o título nacional! Flávio Costa entra em campo e parece gritar algo como: “Não aconteceu! Não aconteceu!”. Barbosa vai ao seu encontro apontando para as nuvens. Torcedores o levantam...

POOOOM! POOOOM! POOOOM!

Flávio Costa se levanta com um sorriso imenso, olha para o espelho e percebe que ainda está em São Januário. O jogo será em algumas horas. Aquilo era um sonho grandioso. “Premonição, com certeza. Premonição!”. Alegre com o sonho que acaba de ter justamente no dia da final da Copa do Mundo, esquece do pesadelo da noite anterior e fala de forma radiante e repetitiva:

- Premonição, com certeza. Premonição! O título é nosso!

Mal sabia ele qual das duas noites estava certa...

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