sábado, 20 de setembro de 2014

Casa dela, Vida dela

Já contei por aqui - especialmente na época em que podia me dedicar a este espaço - o quanto as pessoas costumam se aproveitar de mim para desabafar. Ah, falo isso dos casos de quem nunca vi na vida e resolvem falar sobre o tempo, reclamar sobre as demoras de ônibus, falar sobre a filha que já viaja para outros Estados por conta da universidade, etc. E isso para além dos taxistas e até como referência para ajudar a ficar de olho em coisas alheias.

Gosto de ouvir histórias, é para contá-las que o Jornalismo sempre me atraiu, não como escritor, criando algo, mas esse processo de recriar é o que sempre me estimulou. Mas em alguns casos fico surpreso, pois não adianta eu estar com barba para fazer, com boné, de bermuda ou todo "certinho" aos moldes morais locais.

Hoje foi um caso desses. Voltando da aula do Espanhol, pensando nas coisas cotidianas e relembrando a música de hoje, tentando fazê-lo nesta língua para melhor adaptação e criar costume, do nada aparece alguém no meio do caminho para falar das pessoas que são relaxadas e acabam vivendo como reis ou rainhas nas casas alheias. Não adiantou nem eu ultrapassá-la a pé e ir no meu ritmo normal, mais acelerado. Mesmo segurando um ventilador com uma mão e uma sacola cheia com a outra, ela me seguiu e falou, falou e falou por uns 5 minutos.

"Eu sempre morei na casa dos outros, mas sempre ajudava. Tem um irmão que não faz nada. A pessoa chega com fome e não tem comida e ainda tem que fazer a comida também para a outra pessoa. Morava na casa dos outros, mas limpava a casa, comprava uma coisa ou outra, não deixava nada bagunçado".

Percebi que ela já tinha "pego" uma senhora que ficava aguardando o pessoal à frente de uma igreja, mas deve ter visto que eu seguia o caminho dela e aproveitou esta pobre alma para desabafar. Eu demorei a entender qual era o problema.

"Eu morei na casa do meu irmão, aí ele casou, a mulher começou a criar problema e eu resolvi sair. 'Não dá mais, prefiro morar sozinha'. Meu outro irmão - não esse que morei, outro - veio morar comigo. Se fosse só ele, tudo bem, mas resolveu se casar agora. Chego em casa do trabalho e não tem comida, nem um café pronto! Sempre morei na casa dos outros, mas sempre fiz as coisas para ajudar, é o mínimo. Chego em casa e até o menino fazendo xixi dentro de casa já vi e ela lá deitada no sofá vendo televisão, com roupas jogadas no chão. Aquele fedor de rabujo... Vou mandar embora, prefiro viver sozinha mesmo. Lá em casa não tem sanitário, é um buraco, mandei fazer uma piazinha para lavar roupa também, mas é meu".

Sem paciência por conta de uma semana complicada, a cada distanciamento para atravessas as ruas eu imaginava que era sairia, seguiria o caminho dela, mas não.

"Hoje eu fui nesse Minha Casa Minha Vida da Caixa, eu tinha que pagar 300 reais de documentos, mais 250 de outro, no final ficava 1600 reais direto assim. Queria melhor, mas a Caixa só quer pessoas que são diferentes da realidade desta parte. Dali para cá até pode ser, mas para lá, ter alguém que ganhe de 2 a 3 salários mínimos? R$ 350 por mês.

Passei pelo cruzamento mais perigoso e eu imaginava que ela iria para o ponto de ônibus. Não. Continuou me seguindo, especialmente após passarmos pelo espaço que a Caixa tinha ocupado neste sábado.

"Tá vendo? Tá vazio. Ninguém tem condições assim. Queria só encontrar um governador desses para reclamar. Veja como a casa é até bonita, mas não dá. E tem que ter o nome limpo. Graças a Deus eu tenho o meu nome limpo. Estive no HSPC ano passado. Fiz um cartão na loja da Mangabeiras, você saber, a loja E? Eles me ligaram perguntando se eu queria um plano de saúde e eu quis. Minha irmã não quis porque já tinha o Pré-Vida [plano funerário]. 65 reais. Eles disseram que se não quisesse podia cancelar. Ano passado teve greve dos Correios, nada chegava, fui lá e estava em 265 reais. Fui no Procon para reclamar e eles disseram que eu estava errada. Paguei e você acredita que eles ainda ligaram para me cobrar? Eu falei que eles tinham que saber que eu tinha pago, porque para cobrar a mais sabiam. Graças a Deus que eu não precisava tanto do dinheiro, quer dizer, fez falta, mas não tanta".

Quando eu já não esperava, ela passou para o outro lado. Deu-me tchau e eu a desejei boa sorte, tendo a mesma resposta de volta.

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