sábado, 27 de outubro de 2012

120 anos do Mestre Graça


Fui "apresentado" a Graciliano Ramos de Oliveira durante o Ensino Médio. Como na época o vestibular na Universidade Federal de Alagoas se dava através de um Processo Seletivo Seriado, em que tínhamos uma prova equivalente a cada ano desta fase de ensino, dentre as ementas do que tínhamos que estudar havia três livros por ano. Dentre os do terceiro ano estava São Bernardo.

Por ter morado um tempo razoável fora de Alagoas, ainda que bem mais perto do que agora, meus pais sempre tentaram manter o "orgulho de ser alagoano" nos filhos, então ler um autor alagoano, dentre José de Alencar e Machado de Assis e demais, significava olhar com o mesmo respeito que para os de outros lugares e momentos. Curiosamente, ainda não fiz esse teste, mas provavelmente a maioria dos alagoanos não saberá dizer quem foi Graciliano Ramos - ou Jorge de Lima, ou Lêdo Ivo, ou Nise da Silveira, ou Hermeto Pascoal, ou, ou, ou...

Como meu pai, minha irmã e eu fizemos o então PSS numa sequência de anos próxima, comprávamos os livros e cada um lia em seu tempo. Ao contrário de alguns que optavam pelos resumos dos cursinhos, eu sempre lia todos os livros e depois, caso precisasse reforçar algum detalhe de análise da escola literária - algo que também via no agora antigo Cefet -, olhava para alguns desses resumos. Geralmente lia os livros "obrigatórios" bem antes do vestibular e a sensação de ler São Bernardo foi a confirmação daquelas características "clássicas" de Graciliano Ramos: a secura do nosso sertão praticamente representada no narrar e no seu protagonista.

Olhando para trás, percebo que os livros sugeridos para o vestibular acabaram por gerar a partir dali um maior estímulo para que eu lesse outros livros, principalmente dos autores que eu havia gostado. Por conta de uma "herança" familiar mais ligada ao trabalho do que ao estudo - meu pai foi o primeiro a estudar numa universidade, entrando aos 40 anos -, não havia tanto o "costume" da leitura. Quer dizer, li muitos gibis da Turma da Mônica quando criança e um ou outro livro que me chamava a atenção - caso do Viagem ao Centro da Terra, do Júlio Verne, que foi uma batalha para terminar. Depois dali eu não parei de ler muitos livros por ano, para além dos "obrigatórios" agora da graduação e da pós-graduação.

Enfim, voltando ao Mestre Graça, descobri depois que um dos seus livros também era "obrigatório" para estudantes de outras universidades Brasil afora, caso daqui da UFRGS, mas, geralmente, Vidas Secas. Recentemente, conversando com um pessoal mais novo da graduação em Comunicação da Unisinos, em meio a críticas a Memória Póstuma de Brás Cubas (!) e sugestões de outros livros, alguém falou sobre Vidas Secas. Para alívio deste alagoano, a pessoa disse que gostou do livro.

O segundo livro dele que eu li foi justamente este. Na época ele não tinha na biblioteca da UFAL, por mais incrível que possa parecer, e era dificílimo achar para comprar - Alagoas ainda tem poucas livrarias, ou quase nenhuma, de peso. Minha irmã conseguiu uma cópia, porque precisava estudar para um trabalho, e eu li depois. E isso após tanto ter ouvido falar na cachorra Baleia, desde os estudos no Ensino Médio.

Cheguei a começar a ver o filme, dirigido por Nelson Pereira dos Santos (1963), num cineclube formado por estudantes da universidade, mas o DVD deu problemas e não conseguimos terminar de assisti-lo. Depois de alguns anos eu consegui assistir a São Bernardo, dirigido com o livro como roteiro por Leon Hirszman, com melhor qualidade, num Festival de Cinema. 

Na universidade, peguei o gosto (e a confiança) em comprar livros em sebos pela internet e sempre que tenho que comprar para algo mais do campo acadêmico sempre cato algum literário. Foi assim que comprei o livro de contos Insônia, ainda mais porque a partir da última fase do vestibular este veio a ser um "mal" a me atormentar com certa frequência, o que já gerou uma relação direta com o que ele (muito bem) contava neste conto - com outros também interessantes no livro.

Não lembro exatamente em que ano, mas fui ver uma adaptação para o teatro deste conto, realizada pela Cia. Teatro da Meia-Noite, contemplada pelo Prêmio BNB de Cultura em 2007. A cama que parece ser maior do que é, os barulhos que tiram a atenção, o tic-e-tac do relógio, o "sim" e o "não" o tempo inteiro na cabeça, tudo muito bem retratado no monólogo interpretado pelo ator Marcos Vanderlei.

Depois disso, começaram os livros já relatados neste blog. Procurando por eles nos arquivos deste espaço, percebi a diferença, até mesmo no estilo, de cada um dos quatro: Angústia, A terra dos meninos pelados, Viagem e Infância. O autor que consegue refletir tão bem sensações e ambientes mais ríspidos, caso também de Angústia, escrevendo um livro infanto-juvenil como A terra dos meninos pelados - que foi série da Rede Globo há alguns anos -, contando as marcas de sua Infância e relatando o seu lado político no diário de sua Viagem pelas repúblicas soviéticas, tão diferentes do Brasil.

Antes de qualquer crítica, porque eu tendo a analisar as obras de arte pela capacidade que ela tem de avançar no desvendar a realidade - logo, mostrando suas grandes contradições -, Graciliano criticou bastante a utilização de uma arte hermética, para fins políticos, divergindo fortemente do realismo soviético., por exemplo. Olha que estamos falando de alguém de pensamentos de transformação social, mas que entendia a fundamental importância da "independência" do artista.

O HOMEM
Muito tenho lido neste mês sobre o aniversário de Graciliano, principalmente por conta da reedição da biografia O velho Graça, escrita por Dênis de Moraes, jornalista e pesquisador referência dos estudos críticos sobre as estruturas de comunicação no Brasil. Geralmente retratado como alguém seco, avesso às entrevistas, há relatos sobre a sua vida, desde a escolha política às pressões sobre este posicionamento, como o caso de sua prisão na Ilha Grande (RJ) durante a década de 1930 pelo governo getulista - a quem não teria respondido a um cumprimento anos depois.

Polêmico, ele foi um dos representantes de uma fase do modernismo com autores que se voltaram ao regionalismo, mostrando um Brasil fora do "eixo", casos característicos e contemporâneos da cearense Raquel de Queiróz (autora, dentre outros, de O Quinze) e do baiano Jorge Amador (dentre vários outros, Capitães da Areia). O autor alagoano é apontado como alguém que gostava de criar polêmicas, a ponto de elogiar numa linha e criticar alguém como Machado de Assis na linha seguinte.

Dentre as polêmicas, ao menos para hoje - e muito para um pesquisador de futebol como eu -, Graciliano teria sido um dos intelectuais brasileiros a não acreditar no futebol como um elemento importante para a sociedade brasileira, descrevendo-o como "fogo de palha", um "efêmero modismo estrangeiro".

Graciliano teria seus primeiros livros publicados graças ao reconhecimento aos seus relatos de gestão da prefeitura de Palmeira dos Índios (AL), onde passou dois anos e após cada um deles escrevia as ações e dificuldades do cargo, sendo reconhecido como um homem que peitou os coronéis tão característicos no interior do Brasil e cujo relato sobre as atividades ainda hoje fazem falta na política nacional.

Porém, apesar de ter sido prefeito de Palmeira dos Índios, morado e trabalhado em Maceió e mostrar Viçosa em alguns de seus livros, o autor é natural de Quebrangulo, nascido no final do século XIX, no dia 27 de outubro de 1892, há exatos 120 anos.

O seu primeiro livro publicado foi Caetés (1933), ganhador do Prêmio Brasil de Literatura, ao qual se seguiram: São Bernardo (1934); Angústia (1936), com o qual ganhou o Prêmio Lima Barreto (Revista Acadêmica); Vidas Secas (1938), pelo qual ganhou o prêmio William Faulkner (Estados Unidos); A Terra dos Meninos Pelados (1939), com o qual ganhou o prêmio de melhor literatura infanto juvenil do Ministério da Educação; Brandão entre o mar e o amor (1942), Histórias de Alexandre (1944) e Infância (1945). De forma póstuma foram publicados: Memórias do cárcere (1953), Viagem (1954), Linhas Tortas (1962), Viventes das Alagoas (1962), Alexandre e outros heróis (1962), Cartas (1980), O Estribo da Prata (1984) e Cartas à Heloísa (1992). Graciliano traduziu ainda dois livros: Memórias de um Negro, de Brooker T. Washington; e A Peste, de Albert Camus. Vencendo ainda o Prêmio Felipe de Oliveira (1942) pelo conjunto da obra.

A morte de Graciliano completará 60 anos no ano que vem, sendo ele o homenageado da próxima Festa Literária de Parati, principal evento do setor editorial brasileiro. Continuando no Rio de Janeiro, ocupado por quase três turnos de trabalho e, ainda assim, com ajuda de alguns amigos, como Carlos Drummond de Andrade, para sobreviver, ele morreu no dia 20 de março de 1953, aos 60 anos, vítima de um câncer de pulmão, deixando uma vasta obra sobre o sertão de seu Estado, com uma característica literária altamente particular e inesquecível.

BALEIA
Uma das personagens mais marcantes de seus livros, a cachorra Baleia gerou em mim a intenção de abandonar os nomes estrangeiros que o meu pai resolveu escolher para os dois primeiros cachorros e decidir que o seguinte seria Baleia, independente se fosse macho ou fêmea - graças ao substantivo epiceno.

Dos sete filhotes da minha cadela, um deles nasceu maior que os outros. Estava escolhido o cachorro, que viria a crescer mais do que o imaginado depois, cujo nome casaria muito bem quando comparado aos seus irmãos. Baleia segue lá em Maceió, sendo o meu orgulho de dizer aos quatro cantos do Brasil que o meu cachorro tem este nome e poder explicar a escolha dele toda vez quando é necessário.

Salve Mestre Graça!

Um comentário:

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