quinta-feira, 4 de outubro de 2012

TOM ZÉ!!!

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Ramiro Furquim/Sul 21
Ainda não sei como expressar em palavras o que foi ter assistido ao show do Tom Zé ontem no Auditório Araújo Vianna - ainda que, após uma reforma de sete anos e meio, "cercado" e com o apoio oficial da Coca-Cola -, em Porto Alegre. Este baiano é tudo o que eu imaginava no palco, que já era muita coisa, e mais um pouco. Inacreditável pensar que na semana que vem, dia 11, ele completará 76 anos. É tão assim que dois amigos optaram por estar à beira do palco e voltaram dizendo "ele realmente é velho"...

Para quem conhece um pouco de Porto Alegre, o auditório fica no Parque da Redenção, um dos mais famosos da cidade, onde as pessoas costumam passar os finais de semana "lagarteando" no gramado tomando chimarrão. O Auditório fica numa espécie de praça, mais para o final, e após a reforma ganhou um sistema de som que distribui melhor o áudio e um sistema de refrigeração geral - que deve ser muito útil para o verão gaúcho e suas altíssimas temperaturas (e não é ironia minha).

No caminho para lá, disseram-me que as rádios seguiam a incentivar as pessoas a comprarem os ingressos para ir ao show. A minha resposta foi simples: "infelizmente, é esperado algo assim". Num ano importante para o movimento da Tropicália, que sacudiu a música no Brasil do final da década de 1960 aos anos 70, é importante afirmar a presença de Tom Zé nisso, junto a outros baianos "liderados" por Caetano e Gil (setentões em 2012). Porém, ele ficou duas décadas no "breu", tanto por crítica, mídia, quanto por seus ex-companheiros, ninguém sabendo bem o porquê disso ter ocorrido.

Em Fabricando Tom Zé, excelente documentário que eu já vi duas vezes na TV Brasil, o próprio Tom Zé explica que foi necessário David Byrne achá-lo na década de 1990, e ser muito reverenciado nos Estados Unidos, para reaparecer em terras tupiniquins. Cada vez mais que conheço seus discos/CDs, enfim, gravações, cada qual com uma característica diferente, ora mais romântico (Estudando o Samba), ora mais provocativo (Danç-ê-sah), geralmente muita coisa num mesmo álbum, eu fico a imaginar: Como raios há pessoas que mal sabem que ele existe? Como ele ficou duas décadas sem ninguém se dar conta de sua genialidade?

Digressão à parte, voltemos ao concerto. Achei curioso que na entrada via pessoas de duas faixas etárias. Na ponta, muitos com 20, 30 e poucos anos, estilo mais "independente", turma de protesto - confirmado durante o show -; de outro, pessoal da casa dos 50, 60 e poucos anos, mais "elitizado", por assim dizer e com o risco que essa palavra gera. Ah, ainda havia pessoas a distribuir santinhos de candidatos em prol da cultura.
Ramiro Furquim/Sul 21
SHOW, com todas as letras
Por míseros 15 minutos de atraso, o público já aplaudia reclamando. Isso, 15 minutos (!!!) foi o tempo que demorou para começar. Tom Zé entrou "grávido", com uma bata rosa, porque iria encenar o nascimento da Tropicália, dele surgiriam Caetano Veloso e Gilberto Gil. Foi a primeira vez que vi alguém ser aplaudido de pé antes de qualquer apresentação cultural.

Em meio a tanta "responsabilidade", de um público "culto" como o gaúcho, como ele frisou no início, foi preciso controlar os mais afoitos que queriam ficar à frente do palco para dançar e pular, entregar panfletos e tudo o mais, para que não atrapalhassem os demais, que teriam a visão encoberta caso tod@s ficassem por ali. Antes de chamar a banda, Tom leu cada jornal que publicou algo sobre a sua apresentação, afirmando que ele é que não dera frases boas. Quando falou-se me Zero Hora, gritou-se "este mente". Ele fala "esse mente, mas até que a repórter tentou melhorar, com o título 'Tons de cinza e Tom Zé'". Hora do show!

Tom Zé chama a banda, vestida com capas. Nas primeiras músicas ele faz o parto da Tropicália cantando músicas do seu novo CD/disco, tudo vendido antes mesmo de o espetáculo começar, Tropicália Lixo Lógico. Ao fim, sobra um rabo, cujo motivo de estar ali é explicado por ele, que sempre demonstra grande conhecimento mitológico e filosófico. Show dele é promessa de boas histórias, muito improviso e, acima de tudo, muitos risos.

Ah, não dá para esquecer que em qualquer apresentação dele, pode-se aproveitar para realizar uma manifestação. Desta vez, um grupo reclamava da privatização das praças, parques e espaços culturais porto-alegrenses. O cantor não só leu o manifesto do pessoal, como disse que estaria presente de "coração" no ato desta quinta-feira, não podia ser presencialmente porque viajaria de madrugada. E no final ainda levantou um dos cartazes (ver foto do Ramiro Furquim/Sul 21 no início deste tópico).

Nas músicas mais agitadas, o baiano pulava como se tivesse 30, 40 anos a menos do que tem, com direito a uma homenagem ao pessoal do "country", pulado montando no microfone, vestido de um sutiã que jogaram ao palco - dentre tantas e tantas coisas arremessadas -, com um terno todo rasgado por ele mesmo. Fora o percorrer o palco de um lado ao outro para satisfazer a galera (mais de cem pessoas) que estava de pé nos cantos, porque queria pular e dançar. Fora o "os seguranças têm o direito de se virarem um momento para o palco e me olhar agora, devem estar curiosos para me ver de sutiã".

As músicas mais lentas também são muito boas, mas sempre com o aviso de "agora vamos para uma mais calma e prometo a vocês que depois voltamos com tudo". O pessoal da banda é que sofria com tanta movimentação e mudança, sempre tendo que cuidar para o cabo do microfone de Tom Zé não prender em algo ou até mesmo o rabo não derrubar tripés por onde ele passava.

Pós Semana Farroupilha, ainda vale citar a "observação" sobre o sotaque gaúcho. Ele disse que não esquecessem de lhe dar a segunda cidadania quando o Rio Grande se separasse do Brasil, mas também disse que aqui, por ter sido colonizado por italiano e alemão era diferente do resto mesmo, a ponto de ele chegar no aeroporto na Alemanha e sempre pensar que já ouviu aquele sotaque antes (para gargalhadas minhas).

O final do show foi com uma série de pout-porris, porque Tom se cansava das músicas, indo cada vez mais para trás no tempo com músicas que o público conhecia mais, algumas das quais pedidas para que ele cantasse, caso de "Menina, Amanha de Manhã", "Augusta, Angélica e Consolação" e "", dentre tantas outras que não me vêm à mente agora.

Fiquei muito empolgado com o show dele. É algo que todo mundo que gosta de música, independente do que ache que seja "boa" música, deve experienciar. Um clima totalmente diferente de outros lugares - por mais que o show do Hermeto Pascoal num parque, ao ar livre, em Canoas no ano passado também tenha sido espetacular.

O único problema de Tom Zé são suas escolhas futebolísticas, mas ninguém é perfeito mesmo. Além de corintiano, "Capitais e Tais", música muito boa sobre os Estados do Nordeste que está em Tropicália Lixo Lógico, ele diz que "CRB vai ser agora o novo rei da bola". E nós alagoanos sabemos que algo assim só quando eles estão há 11 títulos alagoanos atrás do CSA, único time nordestino a disputar final de torneio internacional.


Tinha que terminar este post com "Tô", que é uma música que
me encanta e uma das quais eu cantei a plenos pulmões

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O noticiário esportivo é “100% entretenimento”?

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Dos últimos anos para cá, vimos os esportes, com amplo predomínio do futebol, ganharem ainda mais destaque nas programações dos meios de comunicação, só que por motivos para além das quatro linhas. A vinda de grandes eventos esportivos internacionais, duras disputas por direitos de transmissão e o desenvolvimento de uma fase de profissionalização, que tem como uma das marcas a cada vez maior mercantilização das práticas desportivas, fazem com que o jornalismo esportivo adentre por outras áreas, movimentando outras editorias para além dos Esportes.

A importância deste setor é demonstrada com as últimas mudanças de estrutura organizacional da Rede Globo de Televisão, realizada em 2009, que passou a ter como uma das suas divisões a Central Globo de Esportes, ligada à Direção Geral de Jornalismo e Esporte (DGJE), a qual também está submetida a Central Globo de Jornalismo (CGJ). Este período, inclusive, afirma as mudanças no padrão estético-produtivo das matérias esportivas na emissora, com maior presença do humor e de outras formas de narrar histórias, para além dos padrões telejornalísticos construídos pela própria Rede Globo.

Pode-se dizer que a última década é marcada pela mudança de “orientação” da maneira pela qual uma notícia sobre esporte é transmitida, com muita discussão, e polêmica, sobre o assunto. Afinal, será que chegamos num ponto em que o noticiário esportivo seria “100% entretenimento”, como afirmou recentemente o apresentador Tiago Leifert?

Desrespeito e menosprezo

Leifert é, provavelmente, a grande nova estrela da televisão nacional. Coube a ele a reformulação doGlobo Esporte São Paulo, que acabou por se refletir nos noticiários esportivos regionais – que ganharam mais tempo de 2011 para cá. O modelo de apresentação leva em conta mais a espontaneidade do apresentador, também diretor da atração, que acaba por refletir nas reportagens, que buscam a ironia, o curioso do que envolve o esporte, ainda que muito mais o futebol.

Como defensor deste modelo, o apresentador nunca fugiu de discussões sobre como pensava o noticiário esportivo, chegando ao ponto de dizer que o “esporte não deveria ser levado a sério” e partir para discussões via mídias sociais com outros apresentadores, comentaristas e telespectadores – Jorge Kajuru, atualmente na TV Esporte Interativo, por exemplo, diz que foi ele quem criou este modelo mais “espontâneo” de apresentação em sua época de Band.

Alguns problemas na prática também foram vistos, como o caso do repórter que perguntou numa entrevista coletiva ao atacante Barcos, do Palmeiras, se ele conhecia e se achava parecido com o cantor Zé Ramalho, provocando respostas ríspidas do atacante argentino. Outro nome muito comentado quanto a não responder a essas brincadeiras é o atacante uruguaio “Loco” Abreu, atualmente no Figueirense, que se recusou a usar a camisa do “Inacreditável FC”, que é dada pelo Globo Esporte quando um jogador perde um gol “feito”. Abreu, com experiência como repórter esportivo de rádio quando adolescente, acha que há um desrespeito, menosprezo, por parte de alguns jornalistas esportivos com os jogadores de futebol.

O objetivo principal

Outro exemplo vem do Fantástico, cujo quadro esportivo, comandado por Tadeu Schmidt alguns anos antes de Leifert assumir o Globo Esporte SP, tem como uma das marcas registradas colocar a música escolhida para cada atacante que faça três gols no domingo. Num desses, o atacante argentino Herrera, então no Botafogo, perguntou “Música pra quê?”, recusando-se a indicar uma trilha sonora para os seus gols.

Ao contrário de Tiago Leifert, agora também apresentador do reality show The Voice, entendemos que noticiário esportivo não deveria ser 100% entretenimento. Mas temos que entender que futebol e televisão, apesar de o primeiro ser uma fonte de paixões enorme, são duas maneiras de entretenimento sob a atual conjuntura histórica. A função da televisão, sob qualquer dos seus produtos, é entreter a sua audiência de forma que ela não troque de canal e que isso possa gerar mais, ou melhores, patrocinadores para o programa. Entretanto, se aceitarmos prontamente este argumento, podemos nos questionar se isso também não serviria ao telejornalismo. Aceitaríamos de um apresentador de telejornal que o que ele faz é 100% entretenimento?

Não. Aqui é que vem o problema. Por mais que esta nova forma de apresentar as notícias esportivas tenha atraído um público que não acompanhava este programa, também afastou aqueles que querem saber o que acontece/aconteceu com seus clubes de futebol e demais esportes. Informar continua sendo o principal objetivo do jornalismo e os esportes continuam fazendo parte da área de interesse jornalístico.

Brincadeiras de desconhecidos

Seria até leviano num ano em que um dos maiores cronistas brasileiros, o grande escritor Nelson Rodrigues, completaria 100 anos, afirmar que queremos ver uma matéria hermética, como qualquer uma de economia ou de polícia. O futebol envolve a paixão de várias pessoas e tentar mudar a forma “tradicional” de se dar uma notícia sobre uma partida, pegando um viés curioso do que tenha ocorrido, pode, sim, ocorrer, mas desde que não chame mais atenção do que o que ocorreu na partida. Quer dizer, na tentativa de comunicar de uma forma que cause curiosidade e chame a atenção, o jornalista não pode se esquecer de informar sobre a partida ou um treino.

Além disso, a opinião de Leifert não parece ser consenso dentro da própria rede de emissoras em que trabalha. Durante o seminário Globo-Intercom deste ano, os pesquisadores de Comunicação que lá estiveram presentes muito perguntaram sobre este novo jeito de fazer jornalismo esportivo e ficou patente que para a direção da Central Globo de Esportes o informar ainda é prioridade para o jornalismo esportivo da emissora, não apenas o entreter ou buscar algo irônico na partida.

Independente do recurso dos direitos de imagem pagar boa parte do salário dos jogadores, é sempre bom lembrar aos profissionais do jornalismo a necessidade de se preocupar com o Outro numa matéria. Afinal, ninguém, mesmo que seja “pessoa pública”, é obrigado a concordar com brincadeiras de desconhecidos, principalmente após momentos de tensão no trabalho.

Uma espécie de CQC

Quando Leifert disse que o futebol não deveria ser levado a sério, talvez estivesse falando de coisas que provocam violência, no limite das disputas emocionais, não necessariamente de que ele deva ser considerado ou não como um elemento importante da formação cultural das pessoas. Algo que, por mais que ele não quisesse, já faz parte da maioria dos brasileiros.

Fazer um noticiário esportivo diferente pode e deve ser louvado desde que não se abandone o jornalismo no meio disto tudo. O Fantástico, entre idas e vindas em ser mais entretenimento ou mais jornalismo, ainda nos parece abrir mais espaço para o lúdico, porém, caso o entendimento sobre o Globo Esporteainda seja de um noticiário esportivo, há limites – como no caso de Barcos – a serem observados. Desta forma, evita-se que se corra o risco de transformar algo como o Globo Esporte numa espécie de CQC, que se afirma jornalístico quando é barrado em locais “oficiais” (como o Senado), mas nega isso quando é criticado por alguma “reportagem”.

*Originalmente publicado no Observatório da Imprensa.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Intentando entender las visitadoras de Llosa

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li muitas coisas em Espanhol, entre artigos e livros, conversei, estive em outros países da América do Sul e escrevi em espanhol algumas vezes - ainda que com ajuda de tradutores online ou do cada vez menos portunhol. Com a visita de uma colega francesa, mas com pai espanhol (do País Basco), e um novo quadro produzido na Argentina para o programa de rádio, acabei falando e escrevendo mais nestes últimos meses na língua dos países vizinhos. 

Quer dizer, já vinha fazendo isso porque optei por iniciar o aprendizado em Espanhol de forma "oficial". Primeiro, por motivos de trabalho. Por conta da maior proximidade e dos contatos estabelecidos, os pesquisadores da EPC têm maior proximidade com outros da Hispano-América que de países anglo-saxões, por exemplo. Além disso, tive experiências não muito agradáveis com colombianas e um casal argentino, em São Paulo e em Recife, no ano passado. Fiquei chateado por não conseguir conversar direito - por mais que sempre demos um jeito de nos entender razoavelmente. Por fim, sempre me irritou a "obrigação" de aprender inglês, ainda que mal possamos conversar com os nossos vecinos do lado.

Enfim, numa das visitas a esta amiga francesa me perguntou se já tinha lido algo de Mario Vargas Llosa, eu disse que não e ela me emprestou "Pantaleón y las visitadoras" (1973), ainda que não o tivesse lido. Aceitei de pronto. Como ela mesma me disse, serviria para aprimorar a língua, principalmente porque agora já posso identificar as formações gramaticais que vejo toda semana nas clases.

TÍTULO E LLOSA
Óbvio que sabia quem era Mário Vargas Llosa, vencedor do Nobel de Literatura em 2010 e que também já havia sido candidato a presidente no Peru na década de 1990. Além disso, conhecia um pouco sobre o seu posicionamento político-ideológico, creio que de centro-direita, por meio de alguns comentários de um ou outro pesquisador em redes sociais referente aos seus posicionamentos sobre a situação atual de "crise" na Europa. Basta ler um pouco o que dizem na Internet sobre ele e isso se confirma.

Honestamente, não acredito que só pessoas de "esquerda" possam escrever bons livros e/ou que pessoas de "direita" irão demonstrar a sociedade de acordo com o seu posicionamento político. Há toda uma questão de qualidade e capacidade intelectual para a produção artística/literária, que não vem marcada por uma ideologia específica, ou seja, que seja garantida por ela. Mais que um posicionamento pessoal, esta é uma reflexão de pesquisador. 

Dediquei-me a entender uma possível formulação de estudos estéticos num viés marxista, a partir do filósofo húngaro George Lukács, num projeto de iniciação científica no final da graduação. O que eu lia e analisava me mostrou que a Arte seria capaz de avançar sobre a realidade que nos é posta à vista, com a possibilidade real de desvelá-la, ir além no demonstrar a sociedade, com suas mais variadas contradições.

Só para citar um exemplo, de um autor que eu li alguns livros à época para confirmar as características que via em Lukács e até mesmo em comentários sobre opiniões literárias de Marx e Engels, o francês Honoré de Balzac estava longe de ser socialista, mas conseguiu com suas obras mostrar as contradições do capitalismo na primeira metade do século XIX - na verdade, ele desejava o regresso ao feudalismo, por ser de família aristocrática.

Quando peguei o livro, achei curiosa a capa, que abre este post. Não fazia ideia do que significavam "las visitadoras" e achava curioso que houvesse tantas mulheres no desenho da edição que eu peguei, de 1980. A contracapa dá uma ideia do que viria: "Pantaleón, estricto cumplido del deber que le ha sido asignado, termina, llevando el celo a sus últimas consecuencias,  por pulverizar el engrenaje que ha puesto en movimiento".

Ah, em 2000 foi lançado um filme baseado neste livros, mas que até eu pesquisar na Internet por imagens do livro eu ainda não tinha conhecimento.

LIVRO
Confesso que ao começar a ler "Pantaleón y las visitadoras" tive um susto com a forma que o texto foi escrito. Já na primeira parte, uma série de falas que misturam dois lugares diferentes em momentos diferentes. O agora capitão Pantaleón Pantoja está em casa sendo acordado pela mulher Pochita e tendo os cuidados de sua mãe, a senhora Leonor, ao mesmo tempo que sabemos que ele terá uma função importantíssima para o Exército peruano.

Esta maneira diferente de pôr em ação as personagens vai se transcorrer ao longo do livro, o que faz com que o "costume" de apresentação de narrativas de uma maneira mais linear possa até gerar estranheza em muitos momentos. Além dos diálogos, alguns dos quais até que seguem certa ordem, a história é contada através de cartas e documentos oficiais que são publicadas como se nosotros lectores tivéssemos com os papeis nas mãos, por mais "secretos" que fossem por se tratar de documentos de Forças Armadas.

Pantaleón e sua família são mandados a Iquitos numa missão ultra-secreta. Para a esposa e a mãe, dava orgulho em saber que ele estava envolvido em algo deste nível, em que nem elas poderiam saber; a parte ruim nisso tudo era que elas deveriam viver como "qualquer" moradora, sem poder conversar com as famílias de outros soldados e desfrutar dos privilégios de condições assim, em que se pode ter acesso a melhores produtos e casas que a população.

A V Região da Amazônia enfrentava dois problemas, sendo um deles o que o capitão deveria solucionar. As mulheres da região sofriam violência sexual, mas não era de nenhum grupo de criminosos "tradicionais", mas os próprios oficiais é que invadiam casas e retiravam as mulheres. A função de Pantaleón era criar um sistema para "atender" aos ímpetos sexuais dos oficiais, de forma que parassem de atacar a população.

Pantoja assim que chega em Iquitos sente na "pele" as transformações do clima mais tropical da região amazônica, aumentando seu apetite sexual com a mulher, louco por adiantar a produção de um novo capitão. Alguns diziam que poderia ser o clima amazônico a criar delírios nos homens, outros diziam que eram tipos de alimentos e bebidas típicos do lugar. Enfim, o capitão resolver experimentar todos, provando com a sua esposa o que dava certo ou não, de forma a poder proibir que os oficiais se alimentassem dessas coisas.

Além disso, ele resolveu entrar no ramo de las visitadoras y de las lavanderas, de maneira que ele criou o "Servicio de Visitadoras para Guarniciones, Puesto de Fronteras e Afines", que era um setor ligado ao Exército, com direito a avião e navio, para levar prostitutas para os mais recônditos lugares da amazônia peruana, de forma a atender, e descontar dos salários, os oficiais, que parariam de atacar os povoados.

Ao mesmo tempo que Llosa nos mostra através de correspondências e diálogos justapostos como o SVGPFA vai se constituindo, através de todo o primor e preciosismo matemático do oficial Pantoja, acompanhamos o crescimento de uma ordem religiosa popular. A Arca liderada pelo Hermano Francisco cada vez mais ganha espaço na região, arregimentando hermanos e hermanas que têm como característica de demonstração de "fé" a crucificação de animais e, em alguns casos controversos - em que não se sabe se as pessoas se "ofereceram" por serem hermanas ou se foram obrigadas a - matarem e crucificarem pessoas, dentre as quais uma criança que vira um novo mártir e uma senhora de idade, que vira santa.

Em meio ao sucesso do SVGPFA, a imprensa aparece através da Voz del Sinchi, que vai até a central deste arregimento para subornar Pantaleón, de forma a não falar mal dos serviços por ele organizados. Honesto, o capitão joga para fora o radialista e vê em sua irradiação contrária o início da queda e dos problemas conquistados por ele, inclusive a separação de Pochita, que sabe através da rádio o que ele realmente estava fazendo, partindo com a filha Gladicyta para a capital.

Vemos ao longo do livro que, na verdade, o capitão Pantaleón Pantoja é maníaco em cumprir com deveres. Ele mesmo diz, na companhia da visitadora apelidada de Brasileña, que ele sempre se dedica muito às atividades do Exército. Ele foi repassado para comandar a alimentação dos soldados e acabou se especializando em culinária; depois, ele era responsável pelo controle de roupas e chegou ao ponto de se preocupar tanto com isso, com novas ideias de vestimenta, que os outros soldados questionavam a heterossexualidade dele. 

Neste caso, somos brindados no livro com dados e mais dados sérios que provariam a necessidade do Serviço de Visitadoras e do seu máximo rendimento. Apesar de um serviço burocrata e matemático típico do Exército, todos e todas que trabalham com ele o adoram, porque o SVGPFA dá a tranquilidade que nenhum dos outros conseguiriam na forma que trabalhavam antes.

O livro segue nos mostrando vários problemas neste Serviço e na Arca de Hermano Francisco, causando um caos para as mais altas dirigências deste setor do Exército, que acabam pressionados, inclusive, pelos padres e bispos da Igreja Católica que se retiram dos serviços oficiais. No final, chegamos a uma situação limite, que acaba por misturar o SVGPFA e a Arca, que seguem depois cada qual para seu caminho derradeiro e de sua forma.

"Pantaleón y las visitadoras" demonstra o quanto os nossos "representantes" às vezes perdem tanto tempo e dinheiro com coisas inúteis, enquanto vários outros problemas sociais estão ali e nunca sequer são observados. Ainda assim, não coloco este livro na lista dos imprescindíveis e inesquecíveis, talvez a estranheza com a forma - e um término frio, ainda que com um último parágrafo engraçado -  tenha pesado muito.

REFERÊNCIA
LLOSA, Mario Vargas. Pantaleón y las Visitadoras. 10.ed. Barcelona: Seix Barral, 1980.