Explodem as bombas na tela, sobem os caracteres, as luzes da sala de cinema acendem e a música segue. Parte do público levanta e sai. Uma dezena segue sentada, esperando para que mais alguma coisa ocorra depois do final. Alguma imagem, alguma cena perdida,...
Fui assistir a O Som ao Redor esta semana. Há algum tempo que venho lendo notícias e comentários sobre o filme dirigido por Kleber Mendonça Filho, de 44 anos, e creio que, ao menos nos últimos cinco anos, nunca vi um filme nacional tão elogiado quanto este. Vários prêmios, aparição em listas de melhores filmes de 2012, inclusive do The New York Times, e a afirmação de se tratar do "melhor filme brasileiro dos últimos anos".
Se li alguma crítica negativa, ela foi bem pontual, referente às interpretações dos novatos atores da película. Ainda assim, quando escrevo aqui que ela foi "bem pontual" significa que foi num comentário a um texto sobre o filme.
Cheguei à sala de cinema com muita ansiedade para confirmar o potencial estético do filme, se tudo aquilo que lera realmente era verdade. Estava diante mais que de outra excelente produção de um cineasta pernambucano, cuja lista em quantidade e qualidade é (felizmente) cada vez maior, mas de uma obra prima atemporal e realmente aplicável a qualquer espaço geográfico, apesar do sotaque característico.
Antes de comentar as minhas impressões sobre o filme - que acredito até não serem importantes, já que podem ser lidas várias e melhores pela internet e pelos cadernos de cultura dos jornais -, enrolo mais algumas linhas ao falar da formação de Kleber Mendonça. Jornalista, ele foi crítico de cinema por 12 anos, iniciando a carreira de cineasta com dois curta-metragens, Vinil Verde (2004) e Eletrodoméstica (2005). Em 2008, estreou nos longas-metragens com o documentário Crítico. Em 2009, lançou mais um curta-metragem, Recife Frio, que eu conheço e acho excepcional e que já utilizei para ilustrar um dos textos por aqui.
Kleber também é programador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco e do festival Janela Internacional de Cinema do Recife. Ser jornalista, crítico e programador de um cinema já me causou certa curiosidade. Acaba sendo comum ver profissionais da música e da produção audiovisual reclamarem de críticos porque "eles não sabem fazer e optam por falar mal" ou coisas do tipo. A trajetória deste diretor pernambucano, ainda novo, 44 anos, e com um grande destaque para seu primeiro longa de ficção, lança uma luz importante sobre a produção não aliada a grandes conglomerados (leia-se Globo Filmes).
Enquanto vejo postagens no Facebook oficial do filme com comemorações do aumento em dezenas de milhares em termos de público, também leio textos que debatem, alguns dos quais com citações de Kleber Mendonça, a indústria cinematográfica nacional, dividida entre ricos e pobres distribuidores, com todos os vários problemas da propriedade cruzada midiática por parte de um grupo comunicacional. Essencial para a Retomada também o é para criar barreiras de mercado prejudiciais a uma produção audiovisual ousada esteticamente, criativa e com muito potencial. Aproveitemos o momento para debate.
Tema musical, a apresentação dos apoios ao filme, que custou R$ 1,8 milhão oriundos de editais públicos, e, ainda bem, com poucas marcas a dividirem os primeiros minutos do filme. O Som ao Redor aparece em seguida, com uma série de fotos históricas sobre o passado canavieiro de pernambuco. Depois, vê-se a transição daquele período rural para a metrópole de classe média da rua demonstrada no filme.
A mulher casada com um marido que passa a maior parte do dia no trabalho e a noite roncando, com dois filhos pré-adolescentes que estudam inglês e chinês, com uma vizinha invejosa e barraqueira, e agoniada pelo cachorro do vizinho que não para de latir é-nos apresentada após uma noite de insônia. Os sons ao redor são do marido roncando e do cachorro latindo. Para o segundo, nem o cigarro de maconha dá paciência, então, resta colocar um comprimido num pedaço de carne e fazer com que o cão apague por quase 24 horas.
Num apartamento, um jovem casal acabou de se conhecer, saem da cama com o barulho do despertador e tomam cuidado para que as filhas da empregada, prestes a se aposentar, não os vejam pelados. Depois, descobrem que o aparelho de tocar CDs do carro dela foi roubado com um extremo cuidado, já que retiraram o vidro traseiro e ainda "deixaram os seis livros que estavam atrás".
No mesmo dia, uma turma de seguranças aparece distribuindo panfletos na rua, anunciando o serviço e conversando com cada morador do lugar. Curioso, no mesmo dia em que um carro aparece roubado... Só um morador, o tio de João - o do parágrafo anterior -, nega a necessidade de mais segurança. A casa dele era a única que não tinha muros altos e cerca elétrica, só uma besteirinha no telhado porque não dá para confiar tanto. Quando Clodoaldo chega para falar-lhe, tem que bate palmas por três vezes, acompanhado pela vista de João e dele, que acompanham pela telinha da "besterinha" do lado de fora.
Ambos são da família de um velho dono de terras, dono de mais da metade das casas da rua, que são alugadas por João. O velho debocha do serviço de segurança e pede para eles não se meterem com o outro neto, que "apronta de vez em quando". A empregada dá a entender que pode se envolver com Clodoaldo.
E assim o filme segue, com histórias paralelas, mas muito bem cruzadas, que demonstram problemas como o do eterno medo da violência da classe média recifense, que vive perto, mas não tanto, dos locais mais caros da cidade; e também a especulação imobiliária, como a venda da casa do tio de Sofia, namorada de João ao longo do filme, que morou na rua por seis meses. O principal, e é assim que a história de Bia, mãe ao mesmo tempo igual e diferente das outras, cruza-se com as outras num final genial e misterioso - por isso os meus "vizinhos de sala de cinema" ficaram esperando mais um pouco - é uma bela demonstração da luta de classes da sociedade, repleta de preconceitos maquiados, como na reunião de condomínio para demitir o porteiro do prédio, em que há revolta de uma mulher porque a sua Veja estava vindo sem o plástico - infelizmente, só eu ri desta frase.
O filme traz coisas comuns: como a presença de seguranças de rua, que tomam conta e conhecem tudo sobre os moradores da rua; o carrinho que vende CDs piratas com o som bem alto; a briga entre vizinhas; o sotaque pernambucano em alguns diálogos que até mesmo não são de "atores profissionais", até mesmo porque ali há pessoas que não eram atores; o guardador de carro que arranha o carrão de luxo de uma senhora que o repele numa das cenas,... Algo tão brasileiro e nordestino, mas, ao mesmo tempo, sem qualquer problema para gringo algum entendê-lo, como mostra o sucesso internacional do filme.
Mas há muito de diferente, de incomum, para além do final que fez com que a metade da sala seguisse. A primeira coisa que me intrigou antes e durante o filme é o título dele. Afinal, O Som ao Redor representa uma recepção que não estamos acostumados a ter cuidado - lá vou eu querer colocar "observar" - quando vemos um audiovisual, dada a maior preocupação em ver do que em ouvir da nossa sociedade. E isso não é nada óbvio ao longo do longa-metragem. Os sons têm destaque no filme, mas isso fica na construção dele, não é algo que forçosamente ganha presença, por mais que tenha maior participação que em outros. [Ficou confuso né? Então veja e ouça a película e me ajude a explicar melhor depois aqui nos comentários.]
Outra diferença clara é a divisão em partes, geralmente tendo como referência a palavra "guardas" (cães, noturnos, costas). A quebra da história que está sendo vista com o decorrer das histórias em paralelo, com direito à visita ao interior pelo casal e a uma festa sem o casal no final, e sem maiores explicações - o bom e velho "vamos arrumar as malas e ir à fazenda do vovô?", é ainda mais demarcada com a legenda com as partes e seus títulos. Fiquei curioso em tentar entender cada título na parte que vinha a seguir. Assim como, com essas adaptações de filmes para séries (Xingu e Gonzaga: de pai para filho), vi neste um filme que daria para fazer isso de forma bem fácil.
Por fim, apesar de me prender ao som, uma das imagens que mais me chamou a atenção lendo e vendo coisas sobre o filme foi a de João numa cachoeira de água vermelha. É bem interessante que em meio de uma proposta estética diferente, com direito a discursos que não são "profissionais" e a presença de maior destaque aos sons, há também inovação quanto a determinadas cenas. Esta é a de João Sofia e o avô numa cachoeira muito forte e, do nada, a água passa a ser vermelha e a cena sai disso. Além disso, há a cena da filha de Bia acordando e vendo meninos negros saltando de uma das casas vizinhas. Vários. Ela levanta, vai ver os pais e a cama deles vira um armário, a do irmão, no mesmo quarto, idem. Algo se aproxima e zás. Ela acorda.
PRÊMIOS
Não sei se consegui criar curiosidade sobre o filme, especialmente para aquela pessoa que é desantenada totalmente e não ficou atraída para vê-lo após tantos elogios publicados sobre ele. Espero que sim. O Som ao Redor chega à sua quarta semana de exibição no Brasil em poucas salas, que podem ser conferidas na página no Facebook do filme: ver aqui. Aproveito para destacar também isso, a preocupação na divulgação por este espaço, com vídeos, imagens e constantes informações sobre onde o filme está sendo passado.
Aqui no Rio Grande do Sul, o filme está em cartaz em três horários na Cinemateca Paulo Amorim (Casa de Cultura Mário Quintana) e em um horário no Espaço Itaú de Cinema (Espaço 3), ambos em Porto Alegre. Em Maceió, o filme segue em cartaz no Cine Sesi Pajuçara, em apenas um horário.
A mulher casada com um marido que passa a maior parte do dia no trabalho e a noite roncando, com dois filhos pré-adolescentes que estudam inglês e chinês, com uma vizinha invejosa e barraqueira, e agoniada pelo cachorro do vizinho que não para de latir é-nos apresentada após uma noite de insônia. Os sons ao redor são do marido roncando e do cachorro latindo. Para o segundo, nem o cigarro de maconha dá paciência, então, resta colocar um comprimido num pedaço de carne e fazer com que o cão apague por quase 24 horas.
Num apartamento, um jovem casal acabou de se conhecer, saem da cama com o barulho do despertador e tomam cuidado para que as filhas da empregada, prestes a se aposentar, não os vejam pelados. Depois, descobrem que o aparelho de tocar CDs do carro dela foi roubado com um extremo cuidado, já que retiraram o vidro traseiro e ainda "deixaram os seis livros que estavam atrás".
No mesmo dia, uma turma de seguranças aparece distribuindo panfletos na rua, anunciando o serviço e conversando com cada morador do lugar. Curioso, no mesmo dia em que um carro aparece roubado... Só um morador, o tio de João - o do parágrafo anterior -, nega a necessidade de mais segurança. A casa dele era a única que não tinha muros altos e cerca elétrica, só uma besteirinha no telhado porque não dá para confiar tanto. Quando Clodoaldo chega para falar-lhe, tem que bate palmas por três vezes, acompanhado pela vista de João e dele, que acompanham pela telinha da "besterinha" do lado de fora.
Ambos são da família de um velho dono de terras, dono de mais da metade das casas da rua, que são alugadas por João. O velho debocha do serviço de segurança e pede para eles não se meterem com o outro neto, que "apronta de vez em quando". A empregada dá a entender que pode se envolver com Clodoaldo.
E assim o filme segue, com histórias paralelas, mas muito bem cruzadas, que demonstram problemas como o do eterno medo da violência da classe média recifense, que vive perto, mas não tanto, dos locais mais caros da cidade; e também a especulação imobiliária, como a venda da casa do tio de Sofia, namorada de João ao longo do filme, que morou na rua por seis meses. O principal, e é assim que a história de Bia, mãe ao mesmo tempo igual e diferente das outras, cruza-se com as outras num final genial e misterioso - por isso os meus "vizinhos de sala de cinema" ficaram esperando mais um pouco - é uma bela demonstração da luta de classes da sociedade, repleta de preconceitos maquiados, como na reunião de condomínio para demitir o porteiro do prédio, em que há revolta de uma mulher porque a sua Veja estava vindo sem o plástico - infelizmente, só eu ri desta frase.
O filme traz coisas comuns: como a presença de seguranças de rua, que tomam conta e conhecem tudo sobre os moradores da rua; o carrinho que vende CDs piratas com o som bem alto; a briga entre vizinhas; o sotaque pernambucano em alguns diálogos que até mesmo não são de "atores profissionais", até mesmo porque ali há pessoas que não eram atores; o guardador de carro que arranha o carrão de luxo de uma senhora que o repele numa das cenas,... Algo tão brasileiro e nordestino, mas, ao mesmo tempo, sem qualquer problema para gringo algum entendê-lo, como mostra o sucesso internacional do filme.
Mas há muito de diferente, de incomum, para além do final que fez com que a metade da sala seguisse. A primeira coisa que me intrigou antes e durante o filme é o título dele. Afinal, O Som ao Redor representa uma recepção que não estamos acostumados a ter cuidado - lá vou eu querer colocar "observar" - quando vemos um audiovisual, dada a maior preocupação em ver do que em ouvir da nossa sociedade. E isso não é nada óbvio ao longo do longa-metragem. Os sons têm destaque no filme, mas isso fica na construção dele, não é algo que forçosamente ganha presença, por mais que tenha maior participação que em outros. [Ficou confuso né? Então veja e ouça a película e me ajude a explicar melhor depois aqui nos comentários.]
Outra diferença clara é a divisão em partes, geralmente tendo como referência a palavra "guardas" (cães, noturnos, costas). A quebra da história que está sendo vista com o decorrer das histórias em paralelo, com direito à visita ao interior pelo casal e a uma festa sem o casal no final, e sem maiores explicações - o bom e velho "vamos arrumar as malas e ir à fazenda do vovô?", é ainda mais demarcada com a legenda com as partes e seus títulos. Fiquei curioso em tentar entender cada título na parte que vinha a seguir. Assim como, com essas adaptações de filmes para séries (Xingu e Gonzaga: de pai para filho), vi neste um filme que daria para fazer isso de forma bem fácil.
Por fim, apesar de me prender ao som, uma das imagens que mais me chamou a atenção lendo e vendo coisas sobre o filme foi a de João numa cachoeira de água vermelha. É bem interessante que em meio de uma proposta estética diferente, com direito a discursos que não são "profissionais" e a presença de maior destaque aos sons, há também inovação quanto a determinadas cenas. Esta é a de João Sofia e o avô numa cachoeira muito forte e, do nada, a água passa a ser vermelha e a cena sai disso. Além disso, há a cena da filha de Bia acordando e vendo meninos negros saltando de uma das casas vizinhas. Vários. Ela levanta, vai ver os pais e a cama deles vira um armário, a do irmão, no mesmo quarto, idem. Algo se aproxima e zás. Ela acorda.
PRÊMIOS
Não sei se consegui criar curiosidade sobre o filme, especialmente para aquela pessoa que é desantenada totalmente e não ficou atraída para vê-lo após tantos elogios publicados sobre ele. Espero que sim. O Som ao Redor chega à sua quarta semana de exibição no Brasil em poucas salas, que podem ser conferidas na página no Facebook do filme: ver aqui. Aproveito para destacar também isso, a preocupação na divulgação por este espaço, com vídeos, imagens e constantes informações sobre onde o filme está sendo passado.
Aqui no Rio Grande do Sul, o filme está em cartaz em três horários na Cinemateca Paulo Amorim (Casa de Cultura Mário Quintana) e em um horário no Espaço Itaú de Cinema (Espaço 3), ambos em Porto Alegre. Em Maceió, o filme segue em cartaz no Cine Sesi Pajuçara, em apenas um horário.
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