Eu sou editor de uma coluna de esportes que se propõe a escrever "Além das Quatro Linhas" e confesso estar numa encruzilhada sobre o que escrever na edição que deverá ser publicada amanhã.
Não que eu já não tenha pautado o amigo que escreve comigo a coluna, prepara as bases do texto, sobre o que escrever, mas tudo mudou. Uma notícia me deixou entristecido e motivado a tecer algumas, ou muitas, linhas sobre após clicar em todo link que me aparecia sobre o assunto.
Assim que vi a notícia do falecimento no início da manhã de hoje (4h30) de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Dr. Sócrates, esta figura ímpar dentro e fora dos campos de futebol. Disparado, um dos grandes exemplos de alguém que pensa "além das quatro linhas".
Sou palmeirense, não tive a oportunidade de ver Sócrates atuar em campo e na época da "Democracia Corintiana", mas pude ler e ver/ouvir alguma de suas (fortes) opiniões sobre a realidade dos jogadores, com certeza bem menos do que deveria ter lido, visto e ouvido.
Sócrates é também a representação das muitas contradições que este esporte tão querido, idolatrado, amado, criticado e estudado por mim representa das relações sociais. Vindo da classe média alta, continuou seus estudos em Medicina mesmo em detrimento do início da carreira como jogador em Ribeirão Preto.
Ao contrário de tantos bons jogadores, ele não precisava da vida como atleta para realizar o sonho da mãe de ter uma casa própria e demais coisas que aparecem nos discursos e na realidade de muitos jogadores. A formação em Medicina acabou por objetificar a classe dentro de campo a uma das profissões mais "respeitadas" do país. Mas nunca, jamais, deixando de refletir o posicionamento crítico sobre a realidade.
Não vou entrar em efêmeras discussões sobre a sua simpatia pelo regime cubano, a ponto de colocar o nome de Fidel no seu filho mais novo. Num mundo em que a criticidade é cada vez mais exceção, isso é visto por mim como uma dádiva. Nos campos futebolísticos, então, é uma imensa exceção, e isso juntando jogadores (!), comissões técnicas, dirigentes e jornalistas.
Apesar de ter "Brasileiro" no nome, o pensamento era mais amplo que questões locais. Um dos raros casos em que o prenome encaixa muito bem com a pessoa: Sócrates.
Não sei ainda se este texto será adaptado para um editorial antes da coluna, se virá no final do texto como uma dedicatória dela e de tantas outras que já foram publicadas e virão a ser, pois escrever futebol "além das quatro linhas" é mais que isso, é vivê-lo sob os diversos matizes proporcionados por este esporte, entender porque fazem o que fazem com a nossa paixão; racionalizando o máximo possível sobre algo que muitas vezes é irracional, explicando as relações de poder sobre, mas nunca esquecendo do amor em torno do assunto. Sócrates reflete isso.
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