Após a K-League recomeçar no dia 8 de maio, foi a vez de uma
das consideradas grandes ligas retornar no dia 16. A Bundeliga voltou com as
partidas com portões fechados e uma série de diretrizes para evitar novas
contaminações em meio à pandemia global da Covid-19. Acompanhei especialmente o
jogo entre Borussia Dortmund X Schalke 04, observando possíveis novos elementos
do futebol profissional, da transmissão à marcação. Será que vimos ali um “novo
normal” desse esporte?
Parênteses
Primeiro, é importante ratificar a diferença de como o
governo federal da Alemanha tratou nos cuidados para diminuir os impactos do
coronavírus em relação ao Brasil. Ainda que, pessoalmente, eu critique a volta
do torneio – que teve forte pressão da UEFA e alguma prioridade ao cumprimento
dos contratos de exibição –, voltar agora me parece muito menos absurdo do que
as pressões realizadas aqui no Brasil ainda neste mês de maio, com alguns
clubes servindo de vias de propaganda das piores visões políticas sobre as
pessoas.
Dito isto, importante citar as exigências do protocolo da
Bundesliga: quarentena obrigatória para os clubes, com isolamento obrigatório –
um técnico saiu e não pôde seguir para o jogo no sábado; sem cumprimentos como
abraços e apertos de mão; distância de 1,5m entre jogadores no banco de
reservas; todo mundo fora de campo utilizando máscara, com exceção aberta aos
treinadores nos momentos em que forem passar instrução, mas só se tiverem com o
mínimo de 1,5m de distância; cada equipe sairá de forma separada.
Jogo para mediação de uma plataforma digital
Acompanhei Borussia X Schalke usando o Twitter como bloco de
notas. Importante dizer que não acompanhava o torneio alemão com frequência,
então a primeira surpresa ficou com a diferença de nível de atuação das duas
equipes, muito bem representada pela goleada dos aurinegros por 4 a 0.
A título de provocação, é necessário delimitar que sempre
fui contrário a jogos sem público, clássicos sem a torcida adversária e
qualquer medida semelhante. Então já vejo como outro jogo quando há restrição à
representação torcedora dentro do estádio.
Mesmo considerando que a Alemanha tenha passado pela fase
neoliberal da mercantilização do futebol com mais exceções, o modelo atual, sem
público ou com representação virtual (cartazes ou telões mostrando torcedores,
como em alguns casos) parece antecipar certa tendência que considera como mais
adequado para o “futebol de espetáculo” dos estádios modernos, como afirma
Mascarenhas (2014, p. 170), “um público menos apaixonado, menos ‘viril’ e mais
comportado”. Além de uma prioridade para que se tornasse “um bem simbólico
consumido basicamente através dos meios de comunicação de massa” (idem, p.
178). A transmissão dos torneios, mesmo com portões fechados, permitem entrada
de receitas consideráveis, logo, a tentativa de se manter o cronograma normal,
com a partida ocorrendo de maneira adaptável.
Ainda nesse sentido, a transmissão do jogo tentou ao máximo
esconder as arquibancadas vazias, com a câmera central focando mais no gramado,
com plano mais recuado para o centro do gramado, de maneira a exibir apenas as
primeiras fileiras de cadeiras do outro lado. Sobre isso, observei ainda que o
foco nos jogadores que iam cobrar falta ou escanteio parada era ainda maior que
o normal, para apagar o quão diferente é o estádio sem torcida.
Mudanças no jogo
De movimentação de jogo, aparentemente a marcação fica mais
frouxa. Mesmo na bola parada eu observei muito menos momentos de
empurra-empurra. A procura pelo corpo do adversário apareceu em raros casos de
proteção para o goleiro chegar na bola. Não lembro de ter visto situações de
proteção no corpo para subir na bola ou medir a distância do adversário.
Destaco como exceção na partida em como Haaland,
centroavante do Borussia, parecia ser o único que procurava o jogo de corpo.
Isso é exemplar quando, aos 24 minutos, ele empurra o marcador e é necessário
que o árbitro se aproxime, mantendo certa distância, de ambos, com um sorriso
no rosto talvez também expressando a estranheza pelo contato.
Do pouco que vi do final do primeiro tempo ao início do
segundo de Union Berlin X Bayern de Munique, realizado no dia seguinte,
pareceu-me que os jogadores estavam mais próximos do “normal” anterior que o de
maior preocupação com o contato físico. Vendo os replays das comemorações de
gols das outras partidas, houve contato em algumas situações, abraços e apertos
de mão que se confundiam com o cuidadoso toque de pés ou cotovelos.
Ainda que não seja meu interesse de estudo, tentei observar
as coisas referentes especificamente ao contato físico natural do jogo de
futebol. Resta acompanhar se os jogadores retornarão ao que era costume maior,
considerando a rotina de testes e o controle protocolar do dia a dia; ou se
seguirão presos aos limites de como lidar com a preocupação psicológica das
novas “regras” a que estão impostos.
Concluindo, do lado da transmissão, será um grande teste
sobre a importância da participação torcedora in loco no estádio, considerando
ainda que as plataformas de comunicação também vendem seus jogos com a
participação torcedora. Que nós não sigamos para um caminho de ser melhor sem
qualquer torcedora ou torcedor num novo processo de mercantilização pós-crise.