Quando recebi em casa este livro, surpreendi-me pelo tamanho: mais de 700 páginas. E o que era para ser uma das referências para um artigo científico se tornou uma leitura longa e espaçada, de acordo com as folgas de exigências acadêmicas. Porém, cada vez que o pegava não dava vontade de parar de lê-lo.
Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor, escrito pelo jornalista Mário Sérgio Conti, atualmente diretor da revista piauí - a quem já critiquei aqui por uma "entrevista" com o então presidente Lula - , pode ser considerada uma enciclopédia que conta a história dos maiores meios de comunicação do país através dos seus principais personagens, dos seus proprietários aos jornalistas envolvidos na editoria de política; da família de um político aos empregados do Governo federal. Ponto a ponto, Conti vai tecendo uma teia que leva às pessoas àquela ação descrita em determinado ponto no livro.
Neste registro histórico podemos perceber como as relações pessoais, a identidade política com o governo, numa época em que não era “pecado” deixar a opinião política evidente, ou o interesse econômico das empresas de comunicação influenciam a cobertura política da grande imprensa. Especialmente por se tratar de um verdadeiro fenômeno midiático como foi Fernando Collor de Mello, de governador de um dos Estados mais pobres do país foi alçado ao maior posto político da República no primeiro processo de eleições democráticas pós-Ditadura Militar.
“Ex-repórter e herdeiro de um grupo de comunicações, Fernando Collor tornou-se reconhecido do eleitorado por meio de jornais, revistas e emissoras de televisão – os mesmos órgãos de imprensa cujas reportagens serviram de estopim para o movimento que veio tirá-lo da Presidência” (p. 9).
Conti faz questão de destacar ainda na “Apresentação” do livro que “a cobertura política de um órgão de imprensa é produto de sua história. A maneira como ele apura, apresenta e analisa as notícias é o resultado de uma tradição, retrabalhada a cada dia, a cada nova edição” (p. 9).
OPINIÃO DO EMPRESÁRIO
Ao longo dessa obra, ele conta a história de formação dos grupos empresarias de comunicação a partir de seus proprietários e de crises vivenciadas, sejam elas financeiras ou políticas, pudemos perceber que em maior ou menor grau, as relações políticas sempre influenciaram de alguma forma os meios de comunicação, cujo objetivo era agradar aos interesses dos seus proprietários. As mudanças na direção das redações apontavam para um controle maior no conteúdo, como na seguinte alteração exercida no jornal da família Marinho:
“Lentamente, O Globo mudou. Evandro Carlos de Andrade limpou a redação […] Organizou as faixas salariais, deu aumentos e trouxe gente nova para a redação. Seu objetivo era fazer um jornal que desse todas as notícias e uma só opinião, a do dono” (p. 161).
No período de ditadura militar, por exemplo, a maioria das redações do país era formada por jornalistas que eram contra o regime. Mesmo no período em foco no livro, o processo eleitoral de 1989, a maioria deles apoiavam o candidato mais ligado à esquerda, o ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, quando não eram até mesmo filiados ao Partido dos Trabalhadores.
Outro ponto interessante que podemos ressaltar a partir da leitura de Notícias do Planalto é que em 1989 havia um posicionamento das empresas quanto às posições político-eleitorais. O processo de questionamentos quanto ao polêmico resumo do debate do segundo turno mostrado pelo Jornal Nacional, assunto que ainda trataremos aqui, tem como base o apoio claro de Roberto Marinho à campanha collorida, como consta neste trecho:
“Um mês depois do discurso de Covas, Roberto Marinho tinha um candidato: Fernando Collor. Numa entrevista a Neri Vitor Eich, da Folha de S. Paulo, declarou não acreditar que Covas tivesse 'condições e se eleger' e julgou Collor 'mais assentado, mais ponderado e mais equilibrado, com suas boas ideias privatistas', do que os outros concorrentes. Se o candidato continuasse nesse caminho, acrescentou, 'vou influir o máximo a favor dele'. Dito e feito” (p. 167-168).
Este ano tivemos uma experiência que assustou, de forma positiva, os pesquisadores da comunicação brasileiros. O Estado de S. Paulo publicou um editorial em que defendia claramente a campanha do tucano José Serra, em detrimento de Dilma Rousseff e a continuidade da coalizão comandada pelo PT. Naquela época não foi estranho, veja abaixo trechos publicados no livro:
“Na quinta-feira, ainda, o Estado de S. Paulo dedicou o seu primeiro editorial, o do alto da página 3, às eleições, mas não se referiu a Miriam Cordeiro. Intitulado 'O perigo dos radicais', apresentou Lula 'como prisioneiro das minorias anticonstitucionais que o PT abriga, afora os albaneses que se reúnem no PcdoB. […] No fecho do editorial, o jornal da família Mesquita afirmou: 'O programa do PT transformará o Brasil num país fora do mundo moderno; a ação deletéria dos grupos anticonstitucionais, fazendo pressão sobre o temperamento fraco do sr. Luis Inácio Lula da Silva, fará da democracia um simulacro, como Stalin os sacrificou na Rússia, Castro em Cuba e Mao na China. Por tudo isso, a posição do bom senso e do patriotismo recomenda que se vote no respeito à Constituição, que hoje é encarnado pelo sr. Fernando Collor de Mello” (p. 244-245).
DEBATE
O livro conta em detalhes a briga nos bastidores entre o então responsável pelo jornalismo da emissora, Armando Nogueira e Roberto Marinho, com outros nomes de direção importantes no meio. O debate acabou sendo uma prova de que Nogueira não tinha o controle da situação.
Assunto tão debatido, inclusive no livro de 40 anos do próprio Jornal Nacional, o livro de Conti, publicado em 1998, traz a informação de que a Rede Globo teria a preocupação de manter as mesmas oportunidades para os dois candidatos no segundo turno. Assim, desde a quantidade de aparições em matérias do jornalismo da emissora até o tempo quando os dois tivessem num debate deveria ser bem próximo, quando não iguais.
Os debates - foram dois no segundo turno, sendo o último a poucos dias da votação - foram realizados por um pool de emissoras. No dia seguinte, a Globo fazia um resumo do melhor que tinha ocorrido nele. O segundo seria essencial para uma campanha em que Lula estava cada vez mais próximo, segundo as pesquisas, do candidato do PRN. Todos foram unânimes que o candidato petista se enrolara muito na hora das discussões, mas também houve unanimidade, até mesmo dentro da emissora carioca, que o resumo do JN fora exageradamente favorável a Collor.
Conti fez a seguinte observação sobre o assunto:
“Na condensação do Jornal Nacional, Lula falou sete vezes. Collor, oito: teve direito a uma fala a mais que o adversário. No total, Lula falou 2 min22s e Collor, 3min 34s: 1 min 12s a mais que o candidato do PT. No resumo do JN, Collor foi o tempo todo sintético e enfático, enquanto Lula apareceu claudicante, inseguro e trocando palavras (cerca em vez de seca) […] Mas é impossível defender que o “Jornal Nacional buscou espelhar o debate de modo neutro e fiel: dar 1min 12s a mais para Collor foi uma maneira clara de privilegiá-lo” (p. 269-270).
QUEDA
Após o processo eleitoral, Mário Sérgio Conti nos fala sobre todo o processo de queda de Fernando Collor de Mello e como se deu, inclusive, formas de perseguição a alguns jornais brasileiros – caso da Folha de S. Paulo, que chegou a ser invadida por policiais. Paulo César Farias era o marajá a serviço do caçador deles e acabou, mesmo não participando diretamente do Governo, a se tornar a principal pessoa do mesmo, para o bem e para o mal.
O irmão, Pedro Collor, que já trazia rusgas com o presidente devido à interferência na gestão da Organização Arnon de Mello, em especial para utilizar os seus meios como instrumento político se tornou o seu principal algoz, através de uma entrevista à Revista Veja, onde denunciava todas as ações irregulares de PC Farias, em que Fernando tinha ciência. Muitos percalços se seguiram a isso, principalmente para que a entrevista não fosse desacreditada.
Denúncias e mais denúncias se avolumaram ao longo dos primeiros anos de mandato. Collor até tentava responder, mas os fatos eram maiores – apesar de a Justiça não tê-lo incriminado. A sua saída do cargo da presidência, com sua renúncia tentando evitar um impeachment - que se consolidou ainda assim, com a suspensão de seus direitos políticos por oito anos – foi o auge da queda de alguém que se achava mais forte que todos.
Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor dá muitos aspectos a se discutir: história das maiores empresas de comunicação do Brasil e de seus proprietários, relações políticas da mídia nacional, a dependência midiática dos políticos e as relações sórdidas de dentro de um governo corrupto. As mais de 700 páginas não são à toa e como valem à pena.
Referência Bibliográfica:
CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.